10 set Pessoas com deficiência atrapalham os espaços escolares?
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Esse é o princípio do primeiro artigo presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecido em Paris, em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A carta surge com o objetivo de garantir a cada indivíduo, através do ensino e da educação: respeito, liberdade e medidas progressivas de caráter nacional e internacional que assegurem os direitos humanos nela estabelecidos. Porém, ainda que a lei determine um cenário social de igualdade e liberdade, “sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”, conforme descritos no artigo II, a realidade é outra.
Infelizmente, o sistema em que vivemos sofre grandes falhas para atingir esse — até então — ideal igualitário, inclusive por parte daqueles que deveriam garantir os direitos constitucionais. Prova disso é a infeliz e problemática fala do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, realizada em agosto, deste ano, no qual ele afirma que crianças com deficiência atrapalham os demais estudantes. O pronunciamento segue a proposta vergonhosa e inconstitucional do decreto 10.502/2020 do presidente Jair Bolsonaro, que apoia a criação de escolas especializadas para ensinar pessoas com deficiência que “não se beneficiam” da educação regular.
O decreto foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2020. Em seu voto, Dias Toffoli ressaltou a importância da educação inclusiva garantido pela Constituição, “uma educação que agrega e acolhe as pessoas com deficiência ou necessidades especiais no ensino regular, ao invés segregá-las em grupos apartados da própria comunidade”. Após a repercussão do caso, o ministro se desculpou, porém, reafirmou sua discordância com a luta pela inclusão. Luta essa pela qual, ironicamente, o governo deveria ser responsável.
Além da Constituição e da decisão do STF, o decreto contraria a Organização das Nações Unidas (ONU), cujo uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é “empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, de forma a reduzir as desigualdades, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, nacionalidade, religião, condição econômica ou outra, até 2030”.
A situação é preocupante, pois revela um enorme retrocesso, descaso e desrespeito. Afinal, a segregação de pessoas com deficiência impediria a consolidação de seus direitos como indivíduo, dificultaria seu convívio e desenvolvimento social, sua qualidade de vida e consequentemente suas oportunidades pessoais, sociais e profissionais. Além de impulsionar o preconceito e a desvalorização de pessoas com deficiência.
Conforme levantamento realizado em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo menos 45 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o equivalente a quase 25% da população do país. Segundo a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015), a matrícula é obrigatória pelas escolas regulares, sem limite para o número de alunos nessas condições por sala de aula. A mesma lei assegura os direitos básicos e essenciais de educação com igualdade e sistema educacional inclusivo, com adaptações para melhor atender as necessidades de cada indivíduo. Porém, basta analisarmos ao nosso redor para comprovar que ela não é plenamente cumprida. Quantos estudantes com deficiência você conhece ocupando salas de aula e tendo acesso à educação?
Segundo dados do Censo Escolar divulgados em 2019, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2018, foram realizadas 48,5 milhões de matrículas nas 181,9 mil escolas de educação básica brasileiras. Em relação aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades, foram registrados 1,2 milhões de matrículas, um aumento de 33,2% em relação a 2014. O crescimento é valioso, mas está longe de ser suficiente ao compararmos aos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018, que apontam que havia cerca de 1% de pessoas com deficiência com empregos formais naquele ano.
Reiterando sobre o ensino básico, ainda de acordo com o Censo, 28% das escolas públicas de ensino fundamental e 44,7% das particulares possuem dependências adequadas para pessoas com deficiência. Em relação aos banheiros adaptados, os números sobem para 38,6% nas escolas públicas e 55,6% nas escolas privadas. Já no ensino médio 44,3% das públicas e 52,7% das particulares têm dependências adequadas, e 60% das públicas e 68,7% das privadas dispõem de banheiro especial.
Os maiores prejudicados são os alunos com deficiência, uma vez que nem metade das escolas oferecem infraestrutura para melhor atendê-los. Ou seja, se não há o mínimo, como esperar o cumprimento de políticas que garantam uma educação de qualidade, igualdade e, principalmente, equidade para esses estudantes?
Os problemas que tangem o processo educacional são apresentados na tese de doutoramento de Maria José da Silva Fernandes, que analisou a inclusão escolar de alunos com deficiência intelectual (DI) em duas escolas estuaduais de Minas Gerais. A pesquisadora conclui que há ainda muitas barreiras que impedem a participação efetiva do(a)s estudantes, tais como a falta do(a) profissional de apoio, de recursos materiais e de formação para o(a)s profissionais. Além de identificar sentimentos de insegurança e insatisfação nesses alunos e poucas avaliações de afeto.
A inclusão social é o caminho para a sociedade finalmente viver na prática os direitos constitucionais. Os benefícios envolvem não só o aluno com deficiência, mas todos os que estão inseridos em sua vida. Pois, além de garantir o básico da integridade humana, desperta a empatia e a conscientização do respeito às diferenças, consequentemente, um futuro mais justo, humano e desenvolvido para todos. Logo, o que de fato atrapalha é a falta de acessibilidade, de investimento e de políticas públicas de inclusão e principalmente, a falta de um governo que proteja e defenda a educação, e os Direitos Humanos.
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