17 jan PMIC: Da importância para a cena cultural aos problemas burocráticos
Por Bianca Guedes e Lucas Ribeiro
“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!”, diz a canção da banda Titãs, usada inclusive nas campanhas do governo brasileiro nos anos 2000. A arte e a cultura são importantíssimas para a sociedade e, com isso, políticas públicas de incentivo à cultura são necessárias para tornar acessível à população experiências artísticas e culturais.
Em Uberlândia, o Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PMIC) oferece editais para que artistas locais tenham a oportunidade de executar seus trabalhos e levá-los para os moradores da cidade, seja por meio de exposições, livros, peças de teatro, concertos musicais e outros meios de arte. A Conexões já trouxe conteúdos informativos relacionados a projetos desenvolvidos pelo PMIC nos últimos meses, como o lançamento do livro Espelho, de Alanna Fernandes e uma entrevista exclusiva com a Trupe de Truões, grupo de teatro profissional que apresentou o espetáculo Mbaé’tatá com apoio do programa. É possível reparar em uma opinião unânime entre os entrevistados: além do reconhecimento da importância do programa, as críticas sobre seu funcionamento não passam batido.
Recentemente, em dezembro, a vereadora Amanda Gondim expôs, em seu perfil oficial do Instagram, que agentes culturais de Uberlândia têm procurado sua equipe para relatar que mais da metade da verba do programa não foi empenhada, deixando de atender vários projetos. Em um vídeo, Gondim afirma que o valor destinado para os projetos era de 6 milhões de reais, mas, ao fim do processo seletivo, somente metade do recurso foi utilizado para os selecionados no edital. No vídeo, ela explica que existem dois modos de aplicação para a realização dos projetos: parte do dinheiro sai da Secretaria de Cultura, mas também existe a possibilidade de captação de recursos com empresas parceiras na cidade, o que também não teria sido respeitado, demonstrando falta de interesse da prefeitura em promover uma cultura popular em Uberlândia.
Gondim também ressalta que muitos desses artistas e produtores tiveram seu sustento afetado. Durante a pandemia de COVID-19, o setor cultural foi um dos primeiros a ser prejudicado, fazendo com que muitos trabalhadores dessa área perdessem seus empregos e, somente agora, com a oportunidade de uma retomada por meio de projetos como o PMIC, poderiam conseguir recursos para executar seus trabalhos. Contudo, a vereadora denuncia que essa recuperação está sendo prejudicada devido ao “sumiço” da verba.
A burocracia dos editais, a prestação de contas complexa e a demora para a liberação do dinheiro para os artistas acaba tornando o projeto de execução extremamente difícil, especialmente para pessoas que se sustentam pela arte, fazendo com que seja complicado para eles terem condições de produzir sua arte para o lançamento. O Programa parece não perceber que a arte tem custos, que são gerados antes mesmo da liberação do incentivo financeiro do PMIC.
Para quem é artista de primeira viagem ou interessado no PMIC, mas sem experiências anteriores, as regras para participação do programa são diretas, embora burocráticas. No edital, qualquer morador maior de 18 anos de Uberlândia, capaz de comprovar residência na cidade nos últimos dois anos, pode fazer uma proposta para micro-projeto com financiamento de até 10 (dez) mil reais. O andamento do processo começa a ficar confuso após o aceite.
O aceite de um projeto pelo PMIC implica em uma assinatura em série de termos de responsabilidade e o depósito, muitas vezes atrasado, de um valor para execução do projeto. Não contam ao navegador iniciante na área de financiamento municipal (ou em parceria privada) que os dez mil reais de micro-projeto não são dez mil. Antes mesmo do dinheiro chegar à conta aberta para o projeto, a Prefeitura já faz o desconto dos impostos, que torna o orçamento levantado e proposto para concorrer ao edital inválido.
O novato já começa o projeto com um problema contábil. Logo na primeira reunião com os selecionados pelo edital, reforça-se a necessidade de um contador, que o orçamento do produtor iniciante muitas vezes não considera na planilha de custos. A partir desse momento, para quem é pouco organizado, o novelo se emaranha e tem a tendência a se emaranhar ainda mais no decorrer do processo.
Outras questões que tornam a execução estressante para quem se dispõe a conduzir um projeto com financiamento municipal são: a. as dificuldades acrescentadas para a realização de simples ações – por exemplo, a publicação de posts nas redes sociais dos projetos; b. a falta de comunicação entre os próprios membros da secretaria e com/para os executores dos projetos. Informações vem e vão, ora há necessidade de ciência da secretaria e ora não há. Esperam de quem entra nessas águas turvas pela primeira vez saber o que perguntar, sem oferecerem uma cartilha simples com orientações claras dos passos que o projeto deve tomar. Produtores culturais não são contadores ou administradores, mas ao concorrer ao edital do PMIC essas são funções que estão se dispondo a executar.
Ao burocratizar em excesso e não oferecer formação para o gerenciamento de recursos e dos trâmites administrativos, a Prefeitura de Uberlândia acaba contribuindo para o afastamento dos novos artistas e o programa se perde de seus objetivos iniciais, que são fomentar e oferecer oportunidade a quem não tem. Nesse contexto, somente grupos e artistas mais estruturados, que contam com espaço na cena cultural, têm conhecimento e os recursos financeiros necessários para atender ao edital. É fundamental ter zelo e transparência no uso do dinheiro público, mas essa atenção não pode ser justificativa para afastar os produtores culturais que precisam de apoio e, tampouco, privar a população do seu direito constitucional de acesso à arte e à cultura.
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