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Políticas de cotas mudaram o cenário universitário brasileiro nas últimas duas décadas

Por Pedro Prado | Foto por Neab UFSCar

Segundo o Censo, em 1997, apenas 1,8% dos jovens entre 18 e 24 anos que se declaravam negros haviam frequentado uma universidade. Durante anos, os movimentos nacionais para a emancipação da população negra reivindicaram políticas públicas que atendessem suas demandas para a ocupação de negros em espaços públicos, tais como universidades, empresas, entre outros.

As datas são recentes, mas carregam anos de luta. No ano de 2000, a lei estadual n° 3.524, no estado do Rio de Janeiro, entra em vigor decretando a concessão de 50% das vagas para cursos de graduação em universidades estaduais e federais para estudantes de escolas públicas e, no ano seguinte, se alinha à lei n° 3.708, que passa a incluir cotistas raciais, negros e pardos nas concessões. Contudo, a primeira universidade brasileira a adotar modelos de seleção que reservavam parte de suas vagas a candidatos negros foi a Universidade de Brasília (UnB), em 2004, se tornando a pioneira na questão.

Apesar dos esforços, apenas em  agosto de 2012 o pedido de criação de cotas para estudantes negros chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando foi aprovado unanimemente. Assinada pela então presidente Dilma Rousseff, na lei nº 12.711, também conhecida como a Lei de Cotas, estabeleceu-se o prazo de que, até no ano de 2016, todas instituições públicas de ensino superior deveriam destinar metade de suas vagas a egressos de escolas públicas, negros e aos com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo.

A política obteve resultados. No Censo do ano de 2014 foi identificado que 30,9% das vagas em institutos federais e 22,4% nas universidades foram destinadas à autodeclarados negros, pardos ou indígenas. De acordo com o Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), no gráfico que mede o número de matriculados de acordo com o índice de idade esperada, nos jovens entre 18 e 24 anos esse número demonstrou aumento de mais de 500% com a implantação do sistema de ações afirmativas.

Desde a implantação da política de cotas raciais até o ano de 2012, a UnB realizou amplos estudos sobre o número de negros que entraram na universidade, quantos saíram, se desligaram, formaram e seus rendimentos e dispôs esses dados no documento Análise do Sistema de Cotas para Negros da Universidade de Brasília. Pela recente história desse sistema desde sua aprovação, hoje este é um dos únicos e mais abrangentes dados que se possui sobre o assunto.

Segundo o relatório, no segundo semestre de 2004, a porcentagem de negros que se desligaram de seus cursos de graduação foi de 30,6%, já no primeiro semestre de 2012, esse número caiu para 3%, queda de mais de 90% nos desligamentos. Com isso, a população negra dentro da universidade sofreu um aumento esporádico, entre 2009 e 2012 foi registrado crescimento de 13,8%.

Esfera Uberlandense

Após a divulgação da lei no Diário Oficial da União, conselhos superiores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) reuniram uma comissão para a criação e avaliação de propostas para a adaptação da lei na universidade. No primeiro semestre de 2013, entraram em vigor essas medidas em todas as formas de ingresso na Universidade, que na época eram o Programa de Ação Afirmativa de Ingresso no Ensino Superior (PAAES) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Não tão recentes, mas muito detalhadas, a UFU campus Patos de Minas realizou pesquisas para o recolhimento de dados sobre o desempenho dos alunos cotistas em comparação com os não cotistas. A pesquisa intitulada Implementação da Política de Cotas na Universidade Federal de Uberlândia, Campus Patos de Minas, recebeu a premiação de melhor projeto “Conexão Local” no Dia da Pesquisa Docente realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) no ano de 2015.

Peterson Gandolfi (orientador), Paulo Paganini (doutorando), Luca Cohen e Marina Exner (alunos de Administração Pública da Eaesp) foram os idealizadores desta pesquisa, que obteve resultados não discrepantes entre os alunos cotistas e os não cotistas. Partindo deste ponto, eles decidiram caminhar para o estudo mais aprofundado sobre esses estudantes, envolvendo graus qualitativos, como o interesse e a participação na universidade.

Para esclarecer algumas questões sobre políticas afirmativas dentro das universidades, a Conexões conversou com o Professor de História da UFU, Régis Rodrigues Elísio. Também Coordenador de Assuntos Estudantis do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e associado ao Laboratório de Pesquisa em Cultura Popular e Produção de Vídeo Documentário do Instituto de História da UFU (Docpop), Régis desenvolve trabalhos voltados para as religiões de matriz africana e cultura Afro-Brasileira.

Conexões: A Política de Cotas para autodeclarados negros ou pardos se mostra eficiente dentro da Universidade Federal de Uberlândia?

Régis Elísio: A política de cotas tem sido eficiente no âmbito burocrático, ou seja, uma vez que o critério estipulado na lei 12.711/2012 é aplicado, pode-se afirmar que, oficialmente, as cotas têm sido utilizadas na UFU. Contudo, casos recentes de fraudes no sistema de cotas, trazem para a superfície do debate a dúvida se os estudantes que têm ingressado por meio das ações afirmativas realmente pertencem ao grupo étnico autodeclarado. Assim, é constatado que, mesmo com cinco anos da política de cotas na universidade, os espaços acadêmicos tem se mantido hegemonicamente branco. Entende-se que a política de cotas tem sido efetivada, porém, tem incluído pessoas que não atendem os critérios necessários para uso da modalidade PPI [Preto, Pardo ou Indígena].

C: Existem medidas tomadas pela universidade para manter esses alunos ativos e diminuir a evasão dos mesmos?

RE: Apesar de diagnosticada a dificuldade dos estudantes cotistas em manter o vínculo, sobretudo, nos cursos de graduação, a universidade não possui uma política de permanência específica para estes acadêmicos. Assim, ainda que o rendimento dos ingressantes por ação afirmativa seja melhor ou igual ao dos ingressantes pela ampla concorrência, percebe-se que as condições para manter-se na universidade não são iguais. Pois, o público que a política de cotas traz para os cursos, muitas vezes encontra-se em situação de vulnerabilidade que dificulta o êxito acadêmico destes estudantes. Assim, é fundamental uma assistência estudantil pensada para os estudantes cotistas, capaz de garantir uma estrutura adequada que leve em consideração todas as suas especificidades.

C: A Política de Cotas para negros e pardos se encontra em seu ápice, ou teriam pontos que necessitam de mudanças? Se sim, quais?

RE: Ações afirmativas são políticas que certamente estarão em constante aprimoramento. Exemplo disto é a realidade das cotas nos Estados Unidos que, apesar de ter adotado o sistema na década de 1960, a Suprema Corte voltou a discutir a temática no ano passado. Assim, a política de cotas deve acompanhar as transformações sociais de seu tempo. No caso do Brasil, o sistema carece de sérias adequações, os casos de fraudes nas cotas que eclodiram no primeiro semestre deste ano reforçam esta necessidade. Além disso, ações afirmativas não devem ser simplesmente o ingresso de PPIs nas Instituições de Ensino Superior, é preciso garantir que estes sujeitos tenham as condições necessárias para concluírem seus cursos. Por isso, para o sucesso da política de cotas, é imprescindível que esta seja amparada por uma política efetiva de permanência.

C: Qual sua opinião sobre a criação de cotas para o incentivo de ingresso de uma quantidade maior de negros ou pardos na universidade? Ela é um fator ‘segregante’ ou ajuda na união de etnias/culturas dentro da universidade?

RE: Os conflitos entre etnias não foram inaugurados em nosso século. Desde o surgimento das primeiras organizações sociais, as características étnicas foram e são utilizadas como forma de segregação. Se tratando do Brasil, não é preciso ir muito longe, basta lembrar-se dos mais de três séculos de escravização e colonização europeia. A universidade é uma ferramenta de ascensão social, através do ensino superior é possível almejar espaços de notoriedade na sociedade. Por esse motivo, por décadas, o ambiente acadêmico esteve restrito à elite. Uma vez entendida a função social da universidade, o espaço acadêmico torna-se um campo de disputa. A garantia do ingresso de estudantes negros trata-se de uma reparação histórica e social, marcada pelo racismo, exploração, discriminação e desfavores.  A unidade das “etnias/culturas dentro da universidade” não compete à política de ações afirmativas e seus ingressantes, e sim, à consciência das relações étnico-raciais dos indivíduos que constroem a universidade, bem como, o amparo de uma política institucional capaz de tornar o ambiente acadêmico propício para tais interações.

Agência Conexões
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