30 ago Pró-reitor de Extensão e Cultura aponta inconsistências no projeto Future-se.
Por: Álly Kalout
Em 17 de julho de 2019 o Ministério da Educação apresentou uma proposta voltada às instituições federais de ensino superior, voltada especialmente para prospectar novas formas de financiamento e gestão, denominada projeto “Future-se”. A Universidade Federal de Uberlândia divulgou no dia 24 de agosto uma análise preliminar do projeto, apontando inúmeras inconsistências. Uma audiência pública no início desta semana, com ampla participação de docentes, discentes e técnicos administrativos, discutiu a minuta do projeto, além de debater os impactos dos cortes orçamentários que vem sendo impostos pelo MEC a todas as universidades federais, desde abril de 2019.
A Conexões vem publicando ao longo dessa semana uma série de informações a respeito da crise financeira imposta pelos cortes, cenário no qual o projeto Future-se é apresentado pelo MEC como alternativa. Hoje trazemos uma uma entrevista com o Pró-reitor de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Uberlândia, Hélder Silveira, que realiza uma análise da proposta. Para ele, “o momento democrático pede tempo, análise e debate em relação ao documento apresentado pelo Ministério da Educação”. O projeto, de acordo com o pró-reitor, apresenta várias lacunas e inconsistências que colocam a prova, projetos governamentais e autonomia institucional das universidades. Acompanhe a entrevista na íntegra.
Conexões: O que o projeto Future-se representa na atual conjuntura?
Hélder Silveira: O projeto Future-se é uma proposta do Ministério da Educação que, segundo seu texto, visa fortalecer a autonomia das instituições de ensino federal e superior. Porém, quando analisamos o texto mais profundamente, percebemos que em vários momentos, contraria o artigo 207 da Constituição Federal brasileira, que garante às universidades autonomia de gestão financeira, patrimonial, didático científica, pedagógica e, de modo indissociável com o ensino, pesquisa e extensão. Apesar de ser uma proposta que visa o fortalecimento das universidades, ela contraria a autonomia em função do desenho da política pública que se coloca no documento apresentado pelo Ministério da Educação.
Conexões: Quais as principais inconsistências que o senhor verifica na minuta apresentada pelo MEC?
HS: Com relação às inconsistências que se percebem no documento apresentado, existem várias lacunas, vou citar algumas: a primeira inconsistência é justamente no artigo primeiro do documento, que se coloca objetivando o programa no fortalecimento da autonomia universitária. Ao mesmo tempo, coloca as organizações sociais no apoio e, até mesmo, na própria gestão institucional, causando uma concorrência com a administração das instituições de ensino superior. Neste sentido, percebe-se uma tentativa de terceirização da gestão administrativa das universidades, sendo talvez uma forte lacuna do próprio documento. Uma outra inconsistência é quanto, a pretexto de garantir autonomia das universidades, colocar na mão das organizações sociais uma série de responsabilidades que deveriam ser das universidades. Como, por exemplo, a gestão dos fundos de autonomia universitária, a gestão de investimentos, e a própria gestão do orçamento da instituição. Neste sentido, demonstra-se uma grande fragilidade e, até mesmo, um potencial de agressor à autonomia, quando substitui o papel central da instituição naquilo que lhe é mais caro, inclusive no apoio didático científico, no desenvolvimento de ações voltadas ao ordenamento administrativo e nas questões patrimoniais e de gestão de pessoal. Ademais é importante sinalizar que o documento também é negligente com relação às fundações de apoio que têm regulamentação específica e de longa data, que prestam auxílio às instituições de ensino superior. A competição entre organizações sociais e as fundações de apoio, poderiam levar essas fundações ao seu total extermínio. Além disso, há de se observar que o documento não cita nada com relação ao Plano Nacional de Educação [PNE], aprovado em 2014 e que é o norteador de todas as ações do Ministério da Educação, do ponto de vista da construção de políticas públicas e de todo um conjunto dos entes federativos que fazem legislação sobre a educação no país. Essa negligência ou silenciamento coloca em cheque um documento que foi aprovado por unanimidade, numa tentativa de substituir e, até mesmo, negar o plano nacional de educação.
Conexões: Quando a UFU terá uma posição a respeito do Future-se e, em sua opinião, qual a tendência?
HS: Com relação ao posicionamento da UFU sobre o Future-se, nós precisamos ser muito parcimoniosos. A UFU, em relação a qualquer uma de suas decisões, e todas as universidades brasileiras, tomam essas decisões em seus conselhos superiores, e o conselho universitário só vai se debruçar sobre a matéria, ao ponto em que a mesma estiver mais consolidada. O que temos, até então, é um documento rascunhado que tem muitas limitações, ainda nao merece o debate e a reflexão do conselho universitário do ponto de vista deliberativo. O momento é de que a comunidade universitária de um modo geral e a sociedade civil entendam quais são as proposições do Ministério da Educação. Para que, a partir disso, e do adensado das reflexões e dessas proposições feitas sobre um documento que já tenha sido apreciado pela Casa Civil a UFU e as universidades brasileiras possam se debruçar, discutir, debater e tomar sua decisão. Então, a democracia pede um tempo republicano, que faz com que o debate circule de modo mais ativo e reflexivo e com análise detalhada de todos os itens do documento, que será modificado por essa consulta pública que está sendo realizada pelo próprio Ministério da Educação. Além de toda uma conjugação de esforços das entidades em modificá-lo para que a partir de tudo isso, as instituições e a UFU possam fazer a deliberação final sobre a adesão ou não ao programa que se coloca pelo Ministério.
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