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Quando a preguiça médica afeta o direito da mulher grávida

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo, ao mesmo tempo em que sua legislação prevê que só se recorra à cesárea nos casos em que o parto normal apresenta riscos à mãe ou ao bebê.

Em entrevista ao site Gineco, o obstetra Renato Kalil explicou as vantagens de a mulher grávida realizar um parto normal. Dentre elas, a recuperação da mãe, que em torno de três dias já volta com suas atividades normalmente; a compressão do tórax do bebê ao passar pelo canal de parto, que ajuda a eliminar o líquido amniótico; a ligação entre o filho e a mãe, que é ativa no processo e a menor taxa de problemas respiratórios nos recém-nascidos.

No entanto, muitos médicos convencem as futuras mães a marcarem uma cesárea, pois desta forma não ficam dependendo da arbitrariedade do tempo natural do parto. Podem marcar dia e hora, sem atrapalhar suas agendas, sem ficarem reféns da imprevisibilidade do parto normal. Este comportamento priva a gestante de todas as vantagens do parto natural e a submete aos riscos de um procedimento cirúrgico.

Na cesárea, há o risco de complicações cirúrgicas como a abertura de cicatriz, infecção e hemorragia; a cicatrização completa da operação só acontece em cerca de 6 meses, e aumentam as chances de uma futura gestação ser ectópica, ou seja, quando o embrião se fixa na tuba uterina ao invés do útero.

Não há como não questionar o porquê de permitir uma mulher saudável passar por todos estes riscos, havendo a possibilidade de um caminho mais natural e seguro. Em um documento de janeiro de 2018, publicado pelo Ministério da Saúde, há a delimitação de que cesáreas indesejadas ou desnecessárias configuram violência obstétrica. E esta violência está acontecendo.

Para provar que este problema é real, basta analisar os dados de uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que aponta que no país, 52 % dos partos realizados são cesarianas e no sistema privado de saúde, este número sobe para 88%. Outro fator que comprova e legitima esta que podemos chamar de “epidemia desnecessária de cesáreas” é o Projeto Parto Adequado. Realizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora dos convênios médicos, a proposta é promover  uma valorização do parto normal, com a finalidade de reduzir o percentual de cesarianas. Não obstante, no Sistema Único de Saúde (SUS), a orientação é de que se dê prioridade ao parto natural.

Refletindo sobre os números e os projetos realizados para conter esse grande contingente de cesáreas, fica claro a gravidade do problema e como a atenção com a gestante e o respeito pelas suas escolhas são de suma importância, e são assuntos que devem ser abordados e debatidos. Ainda mais com a controversa orientação feita pelo próprio Ministério da Saúde, no último dia 3/5, para a abolição do termo “violência obstétrica” em documentos de políticas públicas. O órgão que deve garantir o melhor cenário às gestantes foi em direção contrária à luta algo tão básico: o respeito aos direitos da mulher.

Mulher, você que está grávida, saiba que a legislação brasileira lhe assegura a ter conhecimento dos detalhes de sua gestação e fazer prevalecer sua escolha, sendo proibido qualquer intervenção sem consentimento, como uma laqueadura, uma episiotomia, ou sequer mesmo uma cesárea. Faça valer seu direito, se informe e tome a decisão que seja mais saudável a você e ao seu bebê.

Médicos, à vocês, só peço que reflitam.

Thaís Degani Angerami
thadegani@gmail.com
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