09 jun Quanto custa menstruar?
Quando falamos sobre Pobreza menstrual, nos referimos a falta de acesso aos absorventes às mulheres, um item de higiene pessoal de extrema importância, que faz com que meninas passem meses sem terem o que usar para evitar manchas em suas roupas e situações constrangedoras. Isso se dá, principalmente, pelo fato que os absorventes ainda são artigos de luxo: um pacote de 8 unidades de absorvente custa em média de R$5 a R$16, pensando nas marcas mais populares. Como o ciclo menstrual tem a duração em média de 3 a 5 dias, e a mulher deve trocar o absorvente a cada 4 horas no máximo (menos durante a noite), se calcularmos em um ciclo de 4 dias com o valor médio do pacote em R$10,50: uma mulher gastaria R$21 reais por mês e, portanto, R$252 reais por ano. Isso sem considerar as meninas que possuem um ciclo mais intenso e precisam de absorventes bem revestidos e trocas mais frequentes.
Isso significa gastar R$21 por mês para cada mulher, sendo que em algumas casas esse número dobra, triplica. Um estudo realizado pela marca Sempre Livre, em 2018, revelou que 23% das adolescentes de 15 a 17 anos não possuem condição financeira para comprar absorventes e chegam a perder até 45 dias de aula em cada ano letivo por não terem como conter o fluxo menstrual. O preço do absorvente pode até parecer pequeno, mas não é em um país que possui 26,9 milhões de mulheres em situação de pobreza e 7,2 milhões de extrema pobreza.
Não estamos falando de um item de beleza, ou estética. Estamos falando de R$252 reais por ano em um item de higiene básica, com o qual famílias que precisam se preocupar em garantir a comida não conseguem arcar. Famílias, muitas vezes, sustentadas por apenas uma mulher que não possui um companheiro para ajudar nas despesas da casa. E, como consequência disso, meninas deixam de frequentar a escola, a fim de evitar o constrangimento.
O relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostrou que 90% das meninas começam a menstruar entre 11 e 15 anos, por isso passarão de três a sete anos da sua vida escolar menstruando. E, muitas vezes, por falta do item de higiene pessoal deixam de frequentar a escola, isto é, uma semana de ausência escolar devido à falta do absorvente. Além disso, a pesquisa notou que 321 mil alunas, 3% do total de meninas brasileiras, estudam em escolas que não possuem banheiro em condições de uso, sendo 37,8% na região nordeste do país.
E não para por aqui, outros itens de higiene básica, como papel higiênico, sabão e pias também faltam em muitas escolas. Em um total de 1,24 milhão de meninas no Brasil, a Unicef estima que 11,6% delas não têm à disposição papel higiênico em suas escolas, e o número piora quando comparado a meninas negras: 51% maior do que para meninas brancas.
Nesse contexto, meninas passam a utilizar outros materiais em casa, como pano velho, jornal, miolo do pão e muito mais. Essa prática prejudica a saúde íntima e pode causar infecções graves, o que acarreta em outros problemas já que muitas dessas meninas não frequentam o profissional ginecologista.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) em parceria com o Datafolha, divulgou em 2018, que 4 milhões de mulheres no Brasil nunca foram ao ginecologista e 16,2 milhões não se examinam com esse especialista há mais de um ano. Os principais motivos são porque se consideram saudáveis (31%), porque não consideram importante (22%), têm vergonha (11%), não gostam (4%) ou têm medo de detectar algo (7%). Além disso, a pesquisa registrou que as informações e conscientização sobre as consultas ao profissional estão mais difundidas entre as mulheres com mais escolaridade, renda familiar maior e pertencentes a classes A/B.
Mas, a higiene menstrual é um direito. Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos, estimando que, no mundo, uma a cada dez meninas perdem aula quando estão menstruadas.
Não podemos nos esquecer das mulheres em cárceres, comumente, tratadas como homens. A jornalista Nana Queiroz, na sua pesquisa de quatro anos sobre o sistema carcerário brasileiro retrata essa realidade. Em seu livro Presos que Menstruam, ela revela fatos chocantes sobre as situações das detentas que chegam a usar miolo de pão como absorvente.
Podemos afirmar, também, que a pobreza menstrual abrange aspectos que se relacionam diretamente no alcance de alguns Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Presentes na Agenda de 2030 da ONU, as metas incluem itens como a Igualdade de Gênero, Erradicação da pobreza, Saúde e bem-estar, Educação de qualidade, Água potável e saneamento, Trabalho decente e crescimento econômico e Consumo e produção sustentável.
Com todos esses dados, é impossível ignorar a necessidade da formulação de políticas públicas que permitam a permanência das meninas nas escolas e garantam dignidade menstrual para as mulheres. Durante a pandemia, a pobreza menstrual se agravou ainda mais no Brasil devido a diminuição das doações, mas por que não haver a distribuição dos absorventes de forma gratuita como há com as camisinhas? No Reino Unido, uma a cada dez meninas não tinham pounds para comprar absorventes, dessa forma, surgiu o movimento chamado Free Periods, onde a ativista Amika George, de apenas 19 anos, lutou junto com outras jovens pela distribuição do item pessoal em escolas e universidades do país.
Atualmente, em Uberlândia, a vereadora Dandara Tonantzin (PT) apresentou ao Legislativo a iniciativa de um projeto que visa disponibilizar absorventes em locais públicos da cidade, principalmente em escolas. A fim de oferecer dignidade menstrual às mulheres de baixa renda de Uberlândia, a vereadora pretende acrescentar o item básico de higiene pessoal nas cestas básicas das famílias de extrema carência.
Ações como essas da vereadora já deveriam ter sido tomadas há muito tempo em todos os municípios ou, ao menos, desde que a ONU reconheceu a higiene menstrual das mulheres como um problema de saúde pública, em 2014. Porém, o assunto ainda é tabu. 66% das mulheres entrevistadas pelo Sempre Livre se sentem desconfortáveis em falar sobre o assunto, quem dirá os homens, que representam atualmente mais de 70% da Câmara Municipal de Uberlândia.
Menstruação não pode ser um assunto discutido apenas dentro de casa, quando isso acontece. Deve ser discutido e normalizado, como qualquer outro assunto de saúde para, assim, caminharmos para as resoluções.
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