
18 ago A questão sobre o desarmamento: a validez das argumentações opostas
Quando se fala em segurança, a discussão sobre a possibilidade de armamento da população civil é prioritária, especialmente em ano eleitoral, quando o tema promete ocupar debates e campanhas.
Desde 2003, o Brasil é um país com uma legislação desarmamentista (Lei 10826), a partir deste ano, todas as pessoas que possuíam armas de fogo deveriam entregá-las a algum órgão policial. Mas o desarmamento não é total, visto que agentes da Segurança Pública podem ter posse das armas e, caso haja a necessidade comprovada, o civil pode adquirir a permissão para portar arma de fogo, desde que obedeça a alguns requisitos, conforme explicamos na matéria “Segurança na Mira da Sociedade”.
A Conexões reuniu diversos estudos e estatísticas para levantar uma reflexão sobre a situação do desarmamento e armamento no mundo, para apresentar e discutir outros pontos que não são levados em conta nos debates, mas que podem ser de grande relevância para se analisar a viabilidade da mudança ou permanência da legislação desarmamentista brasileira.
Segundo o mapa de metadados “Gun Death” que analisa os tipos de permissividade das leis dos países quanto ao armamento de 2008 a 2010, o Brasil se encontra classificado como país possuidor de lei moderada de armas ou “moderate gun laws”.
Como são as leis nos outros países?

Gun Death (2008-2010)
O mapa é dividido em quatro categorias:
- Strict Gun Laws: Leis restritivas, representado pela cor azul escura;
- Moderate Gun Laws: Leis moderadas, representado pela cor azul;
- Lenient Gun Laws: Leis permissivas, representado pela cor azul clara e
- No Data: Não há dados sobre esses países, representada pela cor cinza.
De acordo com o mapa, Estados Unidos, Paquistão, Suécia e Tanzânia são alguns exemplos dos países com maior permissividade quanto as leis de acesso a armas. No primeiro país, não é necessário nenhum tipo de atestado para poder se comprar armas de fogo, qualquer pessoa pode adquirir as armas segundo o pretexto defendido pela constituição de uma defesa quanto a uma possível autoridade excessiva do Estado. Nos demais, existe algum tipo de restrição, como a Suécia, que embora permita uma quantidade ilimitada de compras de armas por habitante, restringe quanto ao seu manuseio nas ruas, sendo necessário a justificação do porquê o cidadão a está portando, e uma regulação de como é feito o manuseio.
Brasil, Argentina, Canadá e África do Sul são exemplos de países com leis moderadas de acesso a armas de fogo. No Brasil existe a permissividade para o porte de armas, mas existem diversas exigências e um grande processo burocrático que o coloca na posição de país moderado. Nesses países é permitido que se tenha o porte de armas, mas com diversas regulações e condições para conseguir uma licença e de maneiras adequadas quanto ao porte da arma.
Alemanha, Uganda, Quênia e China representam países com leis restritivas. Esse último é o exemplo oposto aos Estados Unidos, já que não existe nenhum tipo de condição que permita a posse de arma de fogo pela população, resultando em graves penas ao indivíduo que for contra essa lei, inclusive a de pena de morte.
A violência mundial

Mapa de homicídios intencionais no mundo a cada 100 mil habitantes (2012)
Este segundo mapa mostra o número de homicídios cometidos intencionalmente em todo o globo, ele não leva em conta apenas a utilização de armas de fogo. Assassinatos por facas ou outros objetos e métodos também estão contabilizados. Em alguns países, o suicídio também é incluído nos dados, como na Groenlândia que é um país que tem altas taxas desse tipo de morte, o que justifica a sua grande intensidade de mortes no mapa.
Quanto mais escura for a cor azul no mapa, maior é o número de homicídios a cada 100 mil habitantes no país em questão. É notável a presença do Brasil entre os países com os mais altos índices, estando no mesmo patamar de países que vivem guerras internas, como a Nigéria que convive com o terrorismo do Boko Haram.
Alguns dos países que possuem menos de um homicídio a cada 100 mil habitantes são: Islândia, Suécia, Alemanha, Holanda e Indonésia.
Comparação entre Permissividade de porte de armas e homicídios intencionais em relação a discursos opostos:
Existe um discurso que afirma que com a liberdade do armamento da população civil o número de crimes tende a diminuir, uma vez que o detrator ficará inibido e menos propenso a cometer um crime sabendo dos riscos que pode correr. O discurso oposto afirma que com a maior permissividade da lei maior a violência do país. Ao comparar os mapas podemos verificar essas assertivas.
A Suécia tem uma legislação mais permissiva e a Alemanha e Holanda uma legislação mais restritiva. É possível notar no segundo mapa que os três países europeus possuem menos de uma morte a cada 100 mil habitantes.
A Uganda e a Tanzânia (até 2012, quando houve uma mudança na legislação) possuem uma legislação mais permissiva e o Quênia uma legislação mais restritiva. Todos esses países apresentam um nível de homícidio alto, Tanzânia e Uganda entre 10 e 20 homicídios a cada 100 mil habitantes e Quênia, entre cinco e 10. O Quênia que é bastante restritivo ao uso de armas está com um número muito alto de homicídios enquanto que os outros dois países muito permissivos também estão.
Portanto, de acordo com os dados é possível constatar que países que vivem realidades semelhantes, num mesmo continente: Europa e África, e que possuem legislações opostas quanto ao porte de armas apresentam, entre si, resultados semelhantes.
Os extremos, Estados Unidos e China, também demonstram números próximos. Os EUA apresentam uma taxa de homicídios entre dois e cinco por 100 mil habitantes e a China está entre um e dois .
Quantas armas posso ter?

Número de Armas a cada 100 pessoas (2007)
Esse mapa demonstra o número de armas a cada 100 habitantes. O azul mais claro, quase esverdeado, mostra os números mais baixos, menos de cinco armas a cada 100 pessoas. Já o mais escuro é o nível mais alto, mais de 75 armas a cada 100 pessoas.
Voltando aos exemplos europeus, é possível notar que a Suécia e Alemanha possuem a mesma coloração que identifica que 30 a 50 por cento da população é armada, mesmo tendo políticas muito diferentes de liberação ao porte de armas. Já a Holanda está com menos de cinco por cento da população armada. E os três possuem número de mortes baixas como constatado no mapa de homicídios intencionais.
A Nova Zelândia, na Oceania, é um exemplo de país com uma legislação permissiva ao porte de armas, mas mesmo assim o número da população armada é baixo, de 10 a 30 por cento, com poucos homicídios intencionais. Muito parecido com o número da Austrália, mas que por sua vez tem uma política restritiva ao porte de armas.
Já os três países africanos, Quênia, Uganda e Tanzânia, possuem baixos números de armas, embora o número de homicídios seja alto.
Os mapas demonstram com clareza que não é a legislação ser mais ou menos permissiva que determina o grau de violência de um país. E se for, não é apenas isso, é necessário avaliar outros fatores.
Análise de outros fatores:

Índice de Desenvolvimento Humano (2015)
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma estatística formada a partir de três dados fundamentais: expectativa de vida, educação e Produto Interno Bruto (PIB) recolhidos em nível nacional que é usada para classificar o desenvolvimento humano de cada país. Os países são classificados em uma numeração de 0 a 1, sendo os resultados próximos de 0 os piores indicadores de desenvolvimento humano e mais próximos de 1, os melhores resultados.
Os países europeus possuem um IDH alto no geral, mesmo com menos intensidade em alguns deles o índice continua elevado. A Alemanha, Suécia e Holanda possuem o IDH alto (acima de 0,900) e são países mais pacíficos como mostrado no mapa anterior.
O Brasil e o México apresentam um IDH muito alto para o nível de criminalidade que possuem, de 0,750 a 0,799. Isso se deve, talvez, a guerra às drogas em ambos os países.
Quanto aos exemplos de países africanos, o Quênia é um pouco menos violento e possui um índice de desenvolvimento humano (0,550-0,599) superior ao da Tanzânia (0,500-0,549) e Uganda (0,450-0,499).
Austrália e Nova Zelândia apresentam um IDH alto, ambos acima de 0,900, e um índice de criminalidade baixo, de 1 a 2 a cada 100 mil habitantes no primeiro e 0 a 1 no segundo.
Ou seja, o IDH também não é o único fator a ser levado em conta.

Desigualdade econômica (2014)
Esse mapa analisa o nível de desigualdade econômica mundial baseado no Coeficiente de Gini, que consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso do rendimento, por exemplo, toda a população recebe o mesmo salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento e as demais nada recebem).
Estados Unidos e China apresentam um nível de desigualdade econômica semelhantes. Em relação aos países desenvolvidos, os Estados Unidos é o que apresentam a maior desigualdade econômica na população. O que talvez justifique o nível alto de violência desse país e não a maior permissividade quanto a legislação armamentista.
Na Suécia muitas pessoas possuem armas e têm um nível de desigualdade econômica baixíssima (25-30). A Alemanha e Holanda também possuem um nível de desigualdade econômica baixo, (25-30) e (30-35), respectivamente.
O Brasil possui um nível de desigualdade econômica alto (50-55) e um índice de violência também elevado, mais de 20 homicídios a cada 100 mil habitantes.
A Tanzânia possui um nível de desigualdade econômica alto (35-40), mas menor que a do Brasil. Quênia e Uganda um nível de desigualdade alto, mas também menor que o Brasil.
A despeito das políticas de porte de armas, a análise de desigualdade econômica demonstra resultados mais concretos quando a situação de violência dos países.
A pobreza

Mapa da pobreza (2009)
Os países do hemisfério Norte apresentam índices muito baixos de pobreza, menos de 2% da população, o que não significa baixa desigualdade econômica. Por exemplo, o Chile apresenta um índice de pobreza baixo, mas uma desigualdade econômica muito alta.
O Brasil tem de 6 a 20% da população vivendo na pobreza, o mesmo caso da Colômbia. Os exemplos africanos demonstram que a pobreza é um problema alarmante, o Quênia tem de 6 a 20% da população pobre, a Uganda de 41 a 60 por cento e a Tanzânia de 61 a 80% da população vivendo na pobreza.
Com base em todos esses mapas e números é plausível admitir que a questão da pacificidade ou violência de um país não está exclusivamente ligado a sua legislação menos ou mais armamentista. É necessário avaliar outros fatores, como os apresentados: índice de desenvolvimento humano, desigualdade econômica, pobreza, entre tantos outros. Pois, há países que vivem com uma legislação permissiva e são pacíficos e outros com o mesmo tipo de legislação e que são violentos, o mesmo é válido para países com políticas restritivas. É preciso ampliar os horizontes analíticos para se chegar em conclusões mais reais e menos pessoais.
Fonte e Agradecimento: Canal do Pirula
No Comments