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Rede de compostagem ecofeminista oferece opção para tratamento de resíduos em Uberlândia

A agenda climática do Brasil tem sido extremamente discutida nacional e internacionalmente. Entretanto, apesar da pressão externa, o tema aparenta não ser o foco das autoridades governamentais brasileiras. Como forma de suprir o serviço que deveria ser primordialmente disponibilizado pelo poder público em prol da qualidade de vida da população, os próprios cidadãos tomam parte em iniciativas de impacto ambiental, e a rede de compostagem Las Monas é um exemplo disso.

O coletivo ecofeminista, idealizado pelo casal Fhaêsa Níelsen e Gabriela Paes, oferece a coleta de resíduos para compostagem, prática natural utilizada para estimular a decomposição de matéria orgânica. Em entrevista para a Conexões, as duas nos contam um pouco mais sobre o projeto e a importância de uma política de sustentabilidade em Uberlândia.

Como surgiu o projeto Las Monas?

Fhaêsa: A gente passou alguns anos trabalhando com agroecologia fora de Uberlândia. No início do ano passado, a gente voltou para Uberlândia e trouxemos essa bagagem da compostagem conosco, por causa dos nossos outros trabalhos. Então, vimos que existia essa demanda, não havia alguém que trabalhasse com compostagem aqui. A gente veio do campo, mas nos mudamos para um apartamento. Não tinha onde fazer essa compostagem, então fomos atrás e conseguimos montar essa rede, que agora conta com 33 residências.

Arquivo do Las Monas

De que maneira funciona o projeto e como vocês exercem a técnica da compostagem? 

Fhaêsa: O projeto funciona da seguinte maneira: nós temos um formulário e todas as pessoas interessadas , preenchem e pagam uma inscrição. Nós entramos em contato com elas, e começamos a coletar os resíduos semanalmente, dependendo de qual o bairro. Começamos [a coleta]  no sábado ou no domingo e, na segunda-feira, já levamos para a nossa leira.

Gabriela: A nossa leira fica atualmente no Campus Glória. O nosso coletivo é um parceiro da Universidade e a gente faz um processo de compostagem na fazenda escola e desenvolve ações junto, principalmente com o curso de dança, pensando como podemos trabalhar a compostagem como objeto de pesquisa, mas também como objeto de criação e de exploração desse outro lugar do meio ambiente. O processo que a gente utiliza é o da compostagem termofílica, que é por calor. Ela não usa minhocas. É um processo que tem como agente principal os microrganismos, os fungos e bactérias, o que é muito bacana para a rede, porque permite uma diversidade maior de resíduos. Quem participa da rede pode descartar no baldinho aquilo que normalmente a compostagem não aceita: casca de cebola, comida cozida, casca de cítricos, carnes, resíduos de derivados animais de uma maneira geral. Então montamos uma leira, que pode ser uma estrutura retangular ou circular, que vai fazendo esse “sanduíche”, uma mistura da matéria úmida com a matéria seca. Para cada mês temos uma leira, então durante as quatro ou cinco segundas-feiras do mês depositamos material lá, com serragem ou com palha. Deixamos descansar – depois que a leira está preenchida – de quatro a seis meses, varia um pouco da época do ano também, se chove mais ou se está mais seco. Nós somos só ajudantes dos microrganismos, eles que vão fazendo a compostagem e transformando os resíduos em composto pronto, a terra preta já adubada.

A leira é a estrutura utilizada para armazenar os resíduos orgânicos em conjunto de matéria vegetal seca, garantindo o processo da compostagem.

Arquivo do Las Monas

Quais os principais benefícios da compostagem para o meio ambiente e para a comunidade?

Gabriela: São muitos. A gente parte da perspectiva que comunidade e meio ambiente estão muito relacionados, trabalhamos com agricultura, então sempre vamos pensar na ideia das culturas permanentes. Não tem como pensar em qualidade de vida para as pessoas sem pensar na qualidade de vida para os outros seres, sendo humanos ou não humanos. A comunidade, as pessoas que participam da rede começam a desenvolver outra perspectiva ambiental, de responsabilidade mesmo, como: “o que eu estou fazendo com aquilo que eu produzo?”. Desde a primeira semana, desde o primeiro baldinho, notam as diferenças, e isso é um relato muito comum. Quando a pessoa começa a separar os orgânicos, geralmente também começa a separar os recicláveis. Existe esse trabalho de consciência, de responsabilidade ambiental, que é um impacto muito positivo. Também temos o impacto ambiental, que é fazer com que as pessoas deixem de direcionar esses resíduos para um aterro, e passem a completar ciclos. Quando os resíduos vão para as leiras, eles deixam de ser um problema – o que seriam se estivesse em uma sacolinha plástica com várias outras coisas – e começam a ser uma solução em potencial, porque assim completam os seus ciclos e ficam prontos para voltarem para a natureza, para as plantas e para o solo. Como eles podem ser devolvidos, conseguimos fazer isso até dentro da rede: quem quer, recebe o composto como uma recompensa por fazer parte da rede, e ,assim, as próprias pessoas vão usando nas suas plantas, nas suas hortas e nos seus quintais. A ideia é que possamos distribuir isso para outros espaços para usar em jardins e outros tipos de plantios. Deixa de ser um material potencialmente tóxico para se tornar um fertilizante criado em comunidade.

Recentemente, o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, esteve em Uberlândia e falou da sua agenda do Meio Ambiente, em que estava com um projeto de reciclagem. Vocês acham suficiente essa agenda?

Gabriela: É muito importante que tenhamos essa agenda, por mais que a gente saiba que as políticas públicas, e principalmente as políticas do Zema, não têm um foco ambiental e nunca tiveram. Essas políticas são importantes, mas não funcionam sem a participação coletiva, sem a participação da comunidade. Durante as eleições municipais aqui em Uberlândia no ano passado, essa era uma pauta comum, principalmente entre as candidatas a vereadoras, como a Dandara, a Jorgetânia e a Amanda, que estão buscando pautar isso, mas ainda assim é bastante insuficiente. Não temos essa dinâmica de educação e de troca coletiva. As pessoas que fazem compostagem aqui normalmente fazem por conta própria, baseada em tentativa e erro, e a gente ainda não tem um incentivo muito grande. Nós temos uma agenda, que é sugerida, mas que ainda não conta com muito respaldo para ser colocada em prática pela comunidade. Não temos incentivo do uso dos lotes que estão vagos ou um incentivo em que os bairros e os vizinhos trabalhem e pensem nos resíduos. Inclusive, às vezes, as pessoas chegam para a gente com a dúvida se a rede é de graça ou não, porque elas sentem essa falta de ser uma iniciativa pública de fato. Então, só essa ideia acaba sendo bastante insuficiente, principalmente em uma cidade do tamanho de Uberlândia.

Arquivo do Las Monas

Quais políticas públicas vocês consideram necessárias para melhorar essa agenda do Meio Ambiente?

Gabriela: A gente tem as ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) como maneira de direcionamento coletivo, que são globais, e uma parte dessas ODS falam sobre consumo sustentável, descarte e responsabilidade com os solos. Já temos o que seguir, já temos um Norte, falta entendermos como que a gente caminha para esse Norte em conjunto. Aqui em Uberlândia, falta esse incentivo – e já existem grupos que estão discutindo isso, pensando em todo esse conjunto de leis para, por exemplo, o uso de lotes vagos, para pensar em agricultura urbana, e a compostagem faz parte dessa reflexão sobre produção e consumo de alimentos também –, falta uma visão do poder público em relação à importância da questão ambiental, um impacto da legislação e das políticas ambientais sobre a qualidade de vida da população. E, se formos pensar na capacidade de ação do poder público, falta também um diálogo nos lugares em que ele pode atuar, em como podemos pensar nas escolas municipais a inserção da compostagem, pensando que a educação ambiental é obrigatória por lei. Precisamos tentar fazer disso um espaço de estudo, um espaço de troca entre alunos, professores e funcionários da escola. Também podemos pensar em hospitais, na coleta de seus resíduos. E, assim, partir disso para pensar em projetos que mobilizem e reúnam a população para entender a importância do direcionamento dos seus resíduos, de toda essa questão da responsabilidade ambiental.

Fhaêsa: Falta o exemplo.

Gabriela: A Fhaêsa resumiu super bem: falta o exemplo. Falta termos o município, a Prefeitura, os nossos governantes falando e defendendo publicamente a importância da responsabilidade ambiental, para que nós possamos ser guiadas por esses exemplos, e , assim, mobilizar as pessoas em prol desse assunto, porque é um assunto que só se resolve coletivamente. Nós vemos isso pela rede: quanto mais pessoas participam, mais elas se tornam agentes de mobilização e vão impactando aquele espaço.
Fhaêsa: O trabalho com compostagem é um trabalho de consciência e mudar a consciência requer algum tempo. Eu acho que aqui em Uberlândia nós estamos caminhando muito bem. Nós temos três mulheres incríveis na Prefeitura pautando a educação ambiental e falando sobre isso.

Arquivo do Las Monas
Anna Júlia Lopes
annajulialrodrigues@gmail.com
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