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Reforma do Ensino Médio: a Medida Provisória sob o olhar de uma especialista

 

O Governo Federal enviou ao Congresso, no dia 22 de setembro, a primeira versão da Medida Provisória (MP) 746, que propõe mudanças para o Ensino Médio. Após receber críticas pela retirada da obrigatoriedade das disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia, uma nova versão foi divulgada no dia 23. O Governo recuou e decidiu deixar sob responsabilidade da Base Nacional Comum Curricular a decisão de quais disciplinas devem ser obrigatórias. A previsão é de que até  2017 a questão seja decidida.

 

De acordo com a nova proposta, o Ensino Médio passa a ser em período integral com a possibilidade de ofertar ensino técnico profissionalizante integrado. Profissionais classificados como de “notório saber” em determinados assuntos podem dar aulas, enquanto os alunos devem focar em áreas de conhecimento de sua preferência, não precisando cursar todas as disciplinas que, atualmente, são obrigatórias.

 

 A visão de quem entende de educação

Para entender melhor as medidas e seus desdobramentos, a Conexões conversou com Olenir Mendes. Ela é docente na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutora na área de educação. Tem experiência em questões de didática, avaliação da aprendizagem e formação de professores da educação básica e superior.

 

      A Medida Provisória precisa ser aprovada na Câmara e Senado, em até 120 dias, para não perder o efeito./ Imagem: Free Images

 

Conexões: O governo justifica a MP 746 afirmando que o Ensino Médio precisa de reformas, já que a evasão é grande. Você concorda com essa necessidade de mudanças?

 

Olenir: De fato, o Ensino Médio é uma área da educação que precisa sim de muitas medidas e políticas apropriadas para resolver seus problemas. No Brasil, infelizmente, ele não tem atingido os objetivos de formação. Por isso, é preciso que a gente consiga com que o governo assuma políticas que vão ajudar a melhorar sua qualidade e, dentre outros fatores, a questão da evasão que, de fato, é acentuada. Então,são necessárias medidas e mudanças.

 

Conexões: As mudanças propostas na MP têm condições de diminuir essa evasão?

 

Olenir: Essa medida provisória, para mim, é um erro.  A gente não muda a Educação por meio de medida provisória. É preciso que haja uma discussão, que haja um debate. É preciso que isso seja construído de uma maneira mais democrática. Uma medida provisória vem de cima para baixo, então você não escuta as partes envolvidas. Além disso, é uma medida que vai mexer muito com a estrutura do Ensino Médio, mas não vai resolver os problemas básicos que a gente está vivendo hoje.

 

Conexões: A MP prevê que os alunos poderão escolher se especificar em uma das cinco áreas (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e profissional), de acordo com seus interesses. As disciplinas obrigatórias ainda serão definidas pela Base Nacional Comum Curricular. Você considera que essa é uma autonomia positiva dada aos alunos?

Olenir: É uma pseudo-autonomia. O aluno vai poder escolher o percurso formativo na própria escola que é perto da casa dele, que é a única condição que ele tem de estudar. Ele vai ter os diferentes percursos para escolher? Eu não acredito. Eu penso que, no máximo, a escola vai ter um ou dois percursos.Eu estou falando do aluno da classe trabalhadora, porque o aluno que tem condições de pagar uma escola pode pagar a que quiser.

Por isso digo que essa é uma autonomia falsa. Principalmente em um momento em que o governo, ao mesmo tempo, estimula o Congresso a votar na PEC 241 que reduz os gastos com a educação. Como [o governo] pode implementar uma escola de tempo integral no Brasil inteiro reduzindo os gastos, e não ampliando?

 

     

Conexões: A MP recebeu críticas à proposta de ensino em período integral. Os contrários afirmam que a evasão seria maior, já que muitos alunos estudam  e trabalham. Aumentar a carga horária é mais positivo, por representar mais tempo para aprender, ou mais negativo, por conta da necessidade que alguns jovens têm de trabalhar?

 

Olenir: Eu penso que, pela realidade da classe trabalhadora no Brasil, a educação de tempo integral é essencial. Mas uma coisa é a escola de tempo integral de educação infantil e fundamental, que as crianças, ou vão para escola, ou vão ficar em casa sozinhas ou na rua. Agora, no Ensino Médio, a gente sabe que muitos estudantes são trabalhadores, a partir dos 14 ou 16 anos estão trabalhando. E aí eles precisam de uma opção. Eu acho que é bacana isso [escola integral no Ensino Médio], mas não pode ser opção única. Porque a gente não consegue resolver o problema das condições econômicas da população.

Não sou contrária à escola em tempo integral, mas a que está proposta na Medida Provisória não vai atender dignamente os estudantes nas suas necessidades. Acho que é uma imposição que, infelizmente, é um retrocesso para educação no Brasil.

 

Conexões: A MP determina também que, para lecionar, não é necessário ser um professor com diploma em área pedagógica ou afim. “Profissionais de notório saber” poderão dar aulas afins à sua formação. Em que situação fica a questão pedagógica que não foi estudada por esses profissionais?

 

Olenir: Nessa questão do profissional de notório saber, o que acontece é que ele sabe e tem conhecimento específico de uma área técnica, pode sim ensinar alguém a fazer. Mas é suficiente? É só isso que basta para formar uma pessoa humana? Se a gente quiser meramente preparar uma mão de obra para realizar uma tarefa, talvez seja suficiente. Mas o ensino médio, que é parte da Educação Básica, deve ter esse caráter?

O notório saber é você dizer que alguém é bom em alguma coisa, não fez formação [em licenciatura], mas é bom. Então ele sabe fazer, ele pode ensinar. O que está se dizendo? Que para ser professor basta saber fazer. Para ser professor a gente precisa passar por um processo formativo de reflexão, de compreensão da realidade da relação com o processo ensino-aprendizagem, e nós sabemos que esse processo não é curto.

Essa ideia de notório saber também é uma forma de precarizar ainda mais a nossa profissão. De dizer que essa área qualquer um pode ocupar, não precisa desse profissional [professor].

 

Conexões: Qual sua opinião sobre o aluno ter um ensino profissional integrado ao ensino médio?

 

Olenir: Nós temos experiências excelentes no Brasil, como os Institutos Federais (IFs), por exemplo.  Eu acho que se a gente precisa de escola boa que tenha a formação do ensino médio e profissionalizante, é possível.

Mas [neles] você tem a formação básica e profissionalizante. É algo a mais. Não é algo que você tira e o aluno vai ter só formação profissionalizante, parar de ter os conhecimentos que ele tem direito da educação básica, e passar a ter só a formação técnica para ele só aprender a fazer uma profissão. Ele tem só as disciplinas obrigatórias e o resto é um dos percursos. E, para a classe trabalhadora, é um percurso que talvez seja definido pelo local que ele more.

E isso impacta totalmente no ingresso ao Ensino Superior. Como esse meninos vão conseguir fazer processo seletivo, seja Enem ou vestibular? Como vão disputar com outros [alunos de escolas privadas] que têm uma formação mais ampla? Mas é possível, é necessário, sou favorável e acho que a gente tem condições de oferecer como opção [o ensino profissionalizante integrado ao Ensino Médio], mas não como obrigatoriedade.

 

Agência Conexões
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