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Reforma Política não resolve questão eleitoral brasileira

A infidelidade partidária é o principal problema na política do Brasil. Essa é a opinião professor Marco Aurélio Nogueira, Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Eleitoral e Partidário da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) conveniado com a Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Uberlândia (TRE/MG). 

Na última semana a Conexões trouxe uma multimídia indicando as principais mudanças que estão sendo apresentadas por um conjunto de emendas, a chamada Reforma Política. Hoje, retomamos o debate sobre o assunto para entender como é o nosso sistema eleitoral hoje e qual comparação podemos fazer entre ele e as mudanças propostas por essas emendas. Como essas mudanças afetam a vida do eleitor comum? Essa e outras questões são discutidas na entrevista realizada pela Conexões com o professor Nogueira, da Faculdade de Direito da UFU.

 

 Foto: Valter Campanato |Agência Brasil 

 

 

Conexões: Qual é o principal argumento que compõe o texto-base de apresentação da proposta de acabar com as coligações? Para o eleitor, o que isso significa?

 

Marco Aurélio: O eleitor não verá mais coligações partidárias para deputados ou vereadores, mas verá as federações, novo nome para coligações majoritárias, para prefeitos, senadores, governadores e presidente. O argumento é que deve ser mantido uma certa “afinidade ideológica e programática” nas federações e essas federações devem ser mantidas durante todo o mandato. Em caso de rompimento da união, os partidos perdem o repasse do Fundo de Financiamento Partidário, dinheiro público repassado aos partidos, e tempo de propaganda na TV e rádio. Segundo os autores da ideia, isso evitará a altíssima fragmentação partidária, tornando a política mais coerente e compreensível para a população. Veja que o problema maior da política brasileira não foi enfrentado: a infidelidade partidária. Acredito que com as federações continuará sendo confuso para o eleitor, o que ocorreu foi uma simples troca de nome. Nota zero para a proposta.

 

 

C: As mudanças que afetarão o Fundo de Financiamento Eleitoral, que em partes apresentam corte de gastos, e consequentemente sua redução, podem ser uma ferramenta para acabar, ou ao menos tentar, com a corrupção nos períodos eleitorais?

 

MA: O sistema proposto facilitará o cometimento de caixa dois, pois o Fundo não será suficiente para cobrir os gastos da campanha. Com a insuficiência do dinheiro, buscarão alternativas ilegais, como falsos cabos eleitorais sem remuneração, falsas doações privadas de pessoas físicas e falsos serviços gratuitos, prestados como gráfica, santinhos e carros de som para desviarem quantias. Sobre as doações de pessoas físicas, me coloco contra, não sou favorável que a população pague a campanha de um político. Além disso, a distribuição do Fundo, que será feita de acordo com a participação dos partidos no atual cenário nacional, ou seja, aqueles que já estão consagrados por seu tamanho e por suas lideranças, terão mais chances de permanecerem no poder do que aqueles que estão em fase de ascensão ou expansão.  

 

 

C: Com a proposta da Cláusula de Desempenho, os menores partidos se declararam lesados uma vez que sem as coligações teriam dificuldade em atingir o desempenho mínimo e, por consequência, poderiam deixar de existir. Seria essa uma estratégia proposital para a diminuição do número de partidos?

 

MA: A população está acreditando que o problema é a quantidade de partidos. Falsa ilusão. O problema é a falta de ideologia e fidelidade aos princípios partidários. Não são as instituições, no caso os partidos, os responsáveis por esse descrédito, são seus líderes e integrantes com visões baixas e precárias. Assim, estamos sendo levados a acreditar que essa Cláusula será a solução, isso será terrível, pois a minoria perderá sua vez e voz.  

 

 

C: Por fim, qual seu posicionamento em relação a implantação do sistema do Distritão e do distrital misto para as próximas eleições?  

 

MA: O Distritão é um retrocesso democrático. Com características fincadas no mais votado e no mais conhecido, divide cada Estado-Membro em um distrito. Quem está atualmente no poder leva uma grande vantagem, como ocorre no Afeganistão. Defendo arduamente que haja a implantação do voto distrital em seu sentido puro, onde há a divisão de distritos em uma menor área territorial, com candidatos daquela região eleitos para que fiquem mais próximos aos seus eleitores e os representem. Além disso, como o sistema de voto majoritário não representa todas as minorias ou todos os eleitores, deve este sistema ser complementado por uma parcela de representantes eleitos pelo sistema proporcional, caracterizando assim um sistema distrital misto. Ou seja, ao meu ver, deveria se manter a eleição majoritária para cargos do executivo e senadores e o distrital misto para os cargos do legislativo, parte majoritário e parte proporcional, para vereadores e deputados federais e estaduais, como ocorre na Alemanha.

 

Para entender melhor

 

Ainda com dúvidas sobre as mudanças propostas pela Reforma Política que está em discussão no Congresso? Trouxemos mais detalhes sobre as emendas que prometem já afetar as próximas eleições.

 

Entre essas alterações, são trazidas propostas sobre financiamentos de campanhas, leis para reeleição, coligações e a cláusula de barreira. Enquanto algumas já foram votadas e aprovadas, outras permanecem ainda paradas na Câmara.

 

 

Como é hoje

 

Atualmente, a lei de reeleição para presidentes, governadores e prefeitos é limitada a reeleição para um único período subsequente,  e é ilimitada para deputados e senadores. Os mandatos para estes cargos são de quatro anos, a exceção dos senadores, cujo tempo de atuação é de oito anos . Para Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o mandato é vitalício.  

 

As coligações partidárias são uniões entre dois partidos ou mais, afim de somar seus candidatos e ganhar maior notoriedade política. Feita a união, a Justiça reconhece eles como um só e são vetados de atuarem isoladamente durante o período eleitoral. Depois de estabelecida, os partidos podem participar tanto em eleições majoritárias, como em proporcionais.

 

O Fundo de Financiamento Partidário é uma ferramenta financeira usada pelos partidos para sua autonomia durante o período eleitoral. Este fundo é  disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mediante a seguinte regra: 5% do orçamento total é repartido igualmente entre todos partidos regularizados perante o tribunal, e os outros 95% são repartidos proporcionalmente à quantidade de votos que cada partido ou coligação obteve nas últimas eleições.  

 

Todos os partidos têm direito ao tempo de propaganda no horário eleitoral gratuito vinculado às emissoras abertas de televisão e rádio, à indicação de titulares para as comissões, incluindo as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), à liderança ou cargos na Mesa Diretora e ao espaço físico que a Câmara dos Deputados disponibiliza.  

 

 

O que muda ou promete mudar

 

Com as novas propostas, foi aprovado o fim do direito a reeleição  para os cargos de presidente, governador e prefeito. Fica limitado,  assim, um único mandato por cada candidato eleito. Para Ministros do TSE o mandato passaria a ser de 10 anos, propondo a rotatividade de membros no cargo.

 

As coligações seriam abolidas nas eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais, distritais e federais) e entraria apenas em vigor o sistema de federações, sendo obrigatória a união dos partidos durante toda a gestão legislativa.

 

A Cláusula de Barreira, colocada em votação durante a década de 90, porém barrada em 2006 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), propõe que os partidos atinjam 2% dos votos válidos para deputados federais em todo país e 2% dos votos para deputado federal em, no mínimo, 14 unidades da federação. Caso  não cumpridos estes requerimentos, os partidos estariam sujeitos a perder os direitos à indicação de titulares para as comissões, incluindo as CPIs, à liderança ou cargos na Mesa Diretora e à limitação de parte do Fundo de Financiamento Partidário, ao espaço físico na Câmara e ao tempo de propaganda na TV e rádio.

 

Sugere-se que seja adotado o sistema de lista fechada nas eleições para vereadores e deputados estaduais, distritais e federais nos próximos anos. Por esse sistema  o eleitor dá seu voto para o partido como um todo e não a determinado candidato, e cada partido já teria divulgado uma lista pré-ordenada de seus candidatos. Nas eleições dos anos consecutivos, a partir de 2026, seria adotado um sistema distrital misto, que metade dos candidatos seriam eleitos em lista fechada e a outra metade diretamente pelos eleitores.

 

Outra proposta, muito conhecida por Distritão, é a divisão de uma região em distritos (estado ou município), onde cada um teria um número de vagas. Substituindo o sistema de votos proporcionais que levava em conta o coeficiente eleitoral do partido ou coligação, esse elegeria o candidato mais votado diretamente pelo eleitor.  

 

 

Agência Conexões
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