15 maio Reforma Psiquiátrica: os avanços e as dificuldades na saúde mental
De acordo com o professor da UFU, Luiz César Machado, o movimento da Reforma Psiquiátrica surgiu em 1960 na Europa, nos EUA e na Inglaterra, na tentativa de humanizar o tratamento recebido pelas pessoas com transtorno mental. No Brasil, havia uma forte violação de direitos das pessoas internadas em manicômios. Eram lugares destinados à recuperação das pessoas acometidas por doenças mentais, mas na verdade acontecia o contrário. Essas pessoas eram excluídas da sociedade e viviam em péssimas condições e mínima dignidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi produzida pela ONU, logo após o fim da Segunda Guerra, em 1948, e foi aprovada por unanimidade pelos países que a compunham. Os Direitos Humanos são o norte ético de toda Reforma Psiquiátrica e serviram como inspiração para a reformulação das constituições de cada país e também de suas leis.
O professor Luiz, que atuou como assessor na implementação da Reforma Psquiátrica do Sanatório de Uberaba e é professor da Faculdade de Direito da UFU, falou com a Conexões a respeito da Reforma Psiquiátrica e também sobre os maiores desafios encontrados para a garantia e manutenção dos direitos de cada cidadão em relação à saúde mental.
Conexões: Quais os principais avanços que a Reforma Psiquiátrica e os Direitos Humanos trouxeram para a área da saúde mental?
Machado: Com a declaração dos Direitos Humanos surgiu a oportunidade para a implementação de um novo sistema de tratamento da saúde mental, em que a pessoa não fosse excluída e fosse tratada adequadamente e com dignidade. Depois de anos de debate e discussão, foi aprovada no Brasil, a lei 10.206, em 2011. Na chamada lei da Reforma Psiquiátrica estão estabelecidos os princípios de substituição dos serviços hospitalocêntricos fechados pelos serviços abertos, na comunidade, com objetivo de reinserção social. Essa construção se deu com muitas dificuldades, muitas vezes em corporações como a Associação Brasileira de Psiquiatria, Conselho Federal de Medicina e, principalmente, Associação dos Proprietários Psiquiátricos, mas os resultados vieram: no início da Reforma Psiquiátrica, havia 100 mil leitos e esse número caiu para 40 mil leitos. Mesmo com dificuldades para os avanços de um tratamento de qualidade na área da saúde mental, um dos líderes do movimento afirma que foi um passo importante, porque criou uma rede nacional de atendimento psicossocial.
Conexões: Qual a importância do SUS (Sistema Único de Saúde) na promoção do acesso ao atendimento de saúde mental de qualidade?
A constituição de 1988 criou o conceito e a estrutura de seguridade social com base no tripé de previdência social, assistência social e saúde. Com isso, foi aprovada a lei orgânica da saúde: lei 8.080, que estabeleceu um sistema único de saúde predominante público que se espraiava em todas áreas da medicina e da promoção da saúde. Foi algo muito importante e é considerada maior experiência de política pública do mundo. É dentro dessa estrutura descentralizada e participativa que se estabeleceu a nova política de saúde mental, garantindo maior acesso, assistência e fiscalização na área.
Conexões: Quais as dificuldades de fiscalização para que os direitos humanos sejam garantidos na área da saúde mental por parte do Estado e pelos profissionais da área?
O SUS ainda tem dificuldade de realizar o monitoramento e acompanhamento. O sistema, segundo a norma técnica número 11 de 2019, fala em realizar fiscalização, mas não informa qual a verba para fiscalização que existirá e não estabelece critérios para todos aqueles novos pontos de saúde mental. Nós vivemos uma nova fase do atual governo na qual a iniciativa do monitoramento, que deveria ser do próprio sistema, está desaparecendo. O dinheiro da fiscalização está sendo contingenciado, fiscais estão sendo demitidos. Então, temos que entender que se queremos a fiscalização daqui por diante, vamos ter que cobrar dos órgãos públicos, dos profissionais. As próprias associações, usuários, familiares e profissionais terão que, juntamente com outros órgãos como promotoria, fazer denúncias de mau uso do sistema e tratamentos inadequados.
Conexões: A nível local, quais a maiores dificuldade encontradas no tratamento psiquiátrico humanizado e o que ainda precisa ser feito para que haja maior garantia de direitos e dignidade?
O que há de mais grave na saúde pública em Uberlândia é que a gestão da saúde foi terceirizada para uma instituição privada. O setor de saúde mental na cidade enfrenta fortes restrições orçamentárias, então os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), pontos de referência essenciais para a saúde mental encontram-se equipados indevidamente com equipes incompletas e em situações precárias de acordo com relatos apresentados e demonstrados pelas entidades de classe como Conselho Regional de Psicologia, Enfermagem, Assistentes Sociais. O caminho para reverter esse quadro é a mobilização da própria população, se nós quisermos recolocar nos trilhos a saúde mental nós vamos ter que nos mobilizar e organizar nos próprios bairros denunciando, reclamando e chegando até o governo.
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