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Relatório da UFU revela dificuldades dos estudantes e elevada evasão com ensino remoto

Em 2020, a pandemia do novo coronavírus chegou de forma inesperada afetando diversos setores em nosso país, inclusive, a educação. As universidades se viram obrigadas a fechar suas portas e, em um cenário onde não havia perspectivas de um retorno seguro às atividades presenciais, precisaram rapidamente pensar em maneiras de prosseguir com suas atividades acadêmicas. A alternativa encontrada foi a introdução de um ensino remoto, que permitiria que todos se mantivessem seguros em casa e as aulas pudessem retornar. Mas as universidades estavam preparadas para isso?   

Em uma matéria já publicada na Conexões, apresentamos dados que demonstram prejuízo já no momento do ingresso nas universidades: Em 2021, de acordo com a revista Galileu, a Fuvest, fundação que possibilita a entrada na Universidade de São Paulo (USP), teve 13,2% de seus 130.678 inscritos ausentes. Já a Unicamp, registrou 15,5% de abstenções na primeira fase para cursos das áreas de exatas, tecnologia, artes e humanas. Além disso, dos quase 5,9 milhões de inscritos no ENEM em 2020, apenas 2,7 milhões estiveram presentes em um ou nos dois dias da prova, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Quando tratamos dos alunos já matriculados, também foi possível observar uma forte evasão. Tal movimento pode ser percebido nos dados do Relatório de Avaliação das Atividades Acadêmicas Remotas Emergenciais (AARE) e do Trabalho Remoto, produzido por um grupo de trabalho criado pelo Comitê de Monitoramento à Covid-19 da Universidade Federal de Uberlândia. A pedagoga Leonice Richter, doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da UFU fez parte da equipe multidisciplinar que analisou e sistematizou os dados, a partir das respostas recebidas em questionários aplicados a estudantes, docentes, técnicos e colaboradores da UFU. “A ideia era que o comitê avaliasse essa experiência relacionada às atividades remotas, com um leque bem grande de questões envolvidas”, explica.

Entre os alunos, foram disponibilizados dois questionários, sendo o primeiro destinado para todo o grupo de estudantes, independente de terem ou não participado das atividades remotas em 2020, e que obteve 2.590 respostas. E o segundo, voltado apenas para quem participou das atividades remotas em 2020, contando com 1.828 respondentes.

Segundo Richter, os questionários tratavam desde as condições de participação dos estudantes na AARE até uma avaliação mais institucional,  passando por itens como o acesso a equipamento, internet, a formação desses estudantes, a plataforma utilizada, condições de acessibilidade, quais as pessoas que se autodeclaram com necessidades especiais e suas demandas. “Nós avaliamos também as questões pedagógicas, como a qualidade da organização do trabalho pedagógico”, explica

Restrições tecnológicas e sociais

A condição socioeconômica é uma variável importante para a análise dos desafios e das possibilidades de permanência dos estudantes na instituição. Por isso, uma das questões avaliadas no relatório respondido por todo o grupo de estudantes foi quanto aos equipamentos que dispunham para participar das atividades remotas. “61,6% dos estudantes indicaram que possuíam celular e notebook, 11,8% declararam que possuíam apenas celular, o que é um dado significativo, 3% declararam que possuíam um computador de mesa sem webcam e 0,8% que não possuíam nenhum equipamento”, explica a pedagoga e pontua: “esses dados são essenciais, porque como se participa sem equipamento?”.

Entre os resultados, é possível observar que, em relação ao total de estudantes da UFU, 70% dos alunos se matricularam na primeira etapa das atividades remotas, de julho a outubro de 2020. Desses 16% saíram de todas as disciplinas em que se matricularam, 26,4% deixaram apenas algumas delas, 55,9% concluíram todas as matrículas e 1,5% constam como excluídas por motivos técnicos. Na segunda etapa das atividades remotas, de outubro a dezembro de 2020, apenas 60% dos estudantes da universidade se matricularam. Os números mostram que 15,2% largaram todas as disciplinas em que se inscreveram, 30,4%, apenas parte delas, 51,9% concluíram todo o período e 2,5% foram excluídas por motivos técnicos. Ao comentar os dados, Richter  enfatiza a necessidade de um acompanhamento da instituição. “Esse contexto das atividades remotas demanda da universidade um acompanhamento sistemático, de forma a não fazer com que se intensifiquem processos de exclusão, principalmente de demandas específicas dos estudantes que podem acarretar a ampliação da evasão”, destaca.

Outro ponto que Richter considera relevante destacar é que o semestre possuía a característica de ser facultativo, havia a possibilidade da adesão voluntária. Os estudantes que optaram por participar das atividades remotas fizeram por escolha própria, o que evidencia que, mesmo quem possuía uma pré-disposição, encontrou dificuldades, tais como “fazer atividade num ambiente familiar, a dinâmica entre ter que trabalhar e estar fazendo [disciplinas] e as próprias condições psicoemocionais no contexto de pandemia”. Entre aqueles que realizaram matrícula, os principais motivos de evasão foram: proposta metodológica e avaliativa da disciplina (41,9%); questões emocionais relacionadas à pandemia (36,3%); dificuldade de auto-organização para participar de forma remota (34,5%); avaliação de que seria mais viável realizar a disciplina de forma presencial (26,7%); e dificuldade de realizar as aulas no ambiente familiar (24,9%). Todas as alternativas disponíveis para escolha e seus resultados podem ser vistas na imagem a seguir:


Relatório de Avaliação das Atividades Acadêmicas Remotas Emergenciais (AARE) e do Trabalho Remoto / Reprodução disponível em

Em um balanço dos resultados das atividades remotas de 2020 na UFU, os respondentes também avaliaram seu aprendizado: 28,5% dos estudantes julgaram como regular; 27,7% avaliaram como bom; 17%, como ótimo; 15,3% como fraco; e 11,2% como péssimo. Quanto à metodologia utilizada nas disciplinas para estimular a participação dos estudantes, 52,6% julgaram como regular, fraco ou péssimo, embora 38,9% consideraram bom ou ótimo. Richter chama a atenção para os dados: “se a gente pegar o regular, que foi 25% e 27,6% que consideraram fraco ou péssimo, precisaria um olhar atento sobre essa metodologia”.

Entre os matriculados nas atividades remotas, explica Richter, houve um índice importante de pessoas que declararam possuir necessidades específicas. A questão se torna ainda mais relevante após as polêmicas declarações do ministro da educação sobre a inclusão de pessoas com deficiência Como já relatado pela Conexões, Milton Ribeiro afirmou ser “impossível a convivência” entre estudantes sem e com deficiência, e que os últimos  atrapalham o aprendizado dos demais. “É importante entender a questão das pessoas que se autodeclaram com necessidade especial, que demandam uma reorganização no âmbito da política, ou processos mais prudentes no sentido da formação no âmbito institucional”, defende a professora.

Políticas públicas

Quando se trata das dificuldades vividas por todos os estudantes de modo geral, que se refletem no próprio índice de evasão nas universidades, há de se lembrar que não são apenas os fatores institucionais que influenciam, a qualidade de vida também interfere fortemente. Restrições à moradia estudantil e ao restaurante universitário, a falta de ambientes adequados para estudo, o afastamento de colegas e professores, o excesso de telas presentes no cotidiano e os próprios problemas de saúde mental causados pelo contexto de pandemia são fatores que devem ser considerados e pensados pelas universidades.

Nesse aspecto, Richter ressalta que, no contexto político atual, as universidades têm encontrado muitas dificuldades de ajuste e de recrudescimento dos investimentos, que estão afetando efetivamente as condições de que muitos estudantes precisam para vivenciar a atividade acadêmica. “Nesse contexto de pandemia, mais do que nunca, a gente precisaria por parte do Estado, de políticas que auxiliem a permanência desses estudantes. Nós estamos falando que é de direito das pessoas permanecer e ter acesso à universidade. A nossa necessidade de luta contra os processos de exclusão é maior no âmbito das políticas públicas”, conclui.

Thais Fernandes
thaisfernandsp@gmail.com
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