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Religião acima de tudo, misoginia acima de todas

O atual e recente governo presidencial, que se estenderá por longos – e, aparentemente, tensos – quatro anos, abre uma pergunta que não quer calar: quanto vale a vida da mulher numa sociedade eleitora de governantes que pautam política a partir da própria religião?

Segundo o Ministério da Saúde, só no ano de 2017, das em torno de 1 milhão de mulheres que induziram aborto, 210 mil foram internadas no SUS devido a complicações. Em média, 262 delas morrem anualmente por aborto inseguro. Mortes que, no entanto, devem ser a última das preocupações de um Presidente cuja misoginia já o fez ser condenado por danos morais pelo STF após dizer a uma parlamentar, na tribuna da Câmara dos Deputados, que ela não merecia ser estuprada por ser feia.

Bolsonaro, com suas três décadas de carreira política e dois projetos de lei aprovados, já afirmou, em comício presidencial em 2018, que “não tem essa historinha de Estado laico. É Estado cristão”. Dessa forma, fica claro o tamanho de respeito que ele tem pela atual Constituição e pelas mulheres – que, inclusive, já disse serem uma “fraquejada”  dos pais que as geraram.

Impulsionado pelo governo presidencial irresponsável, o retrocesso dos direitos das mulheres relacionado diretamente à religião ganha forma na Justiça brasileira. A PEC 29/2015, desarquivada em fevereiro, por exemplo, e agora avançando no Senado, propõe alterar o artigo 5º da Constituição com uma redação que defende, literalmente, a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. Se aprovado, o texto pode barrar futuras descriminalizações do aborto e provocar retrocesso aos direitos em situações do aborto atualmente legalizadas segundo o Art. 128 do Código Penal – Decreto Lei 2848/40 (em casos de estupro, anencefalia e risco de vida da mãe).

A Pesquisa Nacional de Aborto realizada em 2016 apontou que, aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já abortou. É uma realidade chocante para as mulheres, que, segundo o IBGE em 2013, são mais da metade da população brasileira total (51,4%). O desprezo pelos direitos reprodutivos delas, cujo detrimento hoje se dá por inúmeros fatores mas, principalmente, pela falta de laicidade do Estado, é inaceitável. O slogan de Bolsonaro ‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’ deveria ter o acréscimo de ‘Religião acima de tudo, misoginia acima de todas’.

Camila Carneiro
camilacscarneiro@gmail.com
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