Observatório Luminar
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Segurança na mira da sociedade

 


Está em tramitação na Câmara dos Deputados, desde 19 de abril de 2012, o projeto de lei 3722/12 que propõe uma nova regulamentação para a aquisição, circulação e o porte de armas no Brasil. No ano de 2015, a proposta ganhou mais força, principalmente pelo maior apoio popular, e atualmente, devido à constante crise na segurança pública, em maior escala no estado do Rio de Janeiro, onde há uma maior insistência na aprovação desse projeto.


A posse e o porte de armas no Brasil são regulamentados pelo Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003 com o intuito de desarmar a população e diminuir o índice de violência e homicídios por armas de fogo no país. Os civis que possuem armas registradas podem mantê-las somente dentro de suas residências e estabelecimentos próprios.

Caso forem encontrados portando-as em espaços públicos serão detidos, sem direito à fiança e multa. Serve também para aquele que possui armas ilegais, porém, nessa situação, haverá o direito à fiança. Mas os civis também podem optar por entregar seus exemplares ao governo, recebendo uma quantia em dinheiro como recompensa. Já o porte de arma possui uma maior restrição. Para solicitação de tal liberação, autorizada pela Polícia Federal é necessário atender, no mínimo, os seguintes critérios: idade mínima de 25 anos; residência fixa comprovada e ocupação profissional lícita e não contraventora; certificação técnica e psicológica sobre a capacidade da pessoa em relação ao manuseio, utilização e equilíbrio para o porte de arma de fogo; certidão negativa em relação à existência de antecedentes criminais do solicitante.


Essa rigidez do estatuto relacionada à posse e ao porte de armas no país é fortemente criticada pelos grupos a favor do mais fácil acesso às armas pela população. Um de seus argumentos é que essa lei foi uma forma de elitizar a posse de armas no Brasil. A Doutora em Sociologia e coordenadora do grupo de estudos sobre violência e controle social da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Débora Pastana quando questionada sobre essa posição de alguns grupos da sociedade, ressalta que em quase todas situações há uma forte explicação econômica por trás de comportamentos sociais e posicionamentos políticos. “Embora o debate pareça transitar pela questão da segurança, na verdade é o interesse econômico que impera quando o argumento é pela ampliação das possibilidades de porte e uso de armas. A quem interessa mais armas em circulação? À indústria que produz armamento. O lobby é tão poderoso que já formou a ‘bancada da bala’ no Congresso Nacional. Qualquer pessoa minimamente inserida nos estudos sobre violência sabe que o aumento de armas necessariamente leva a um aumento de violência. O monopólio da segurança pública deve ser do Estado”, explica.


Quem também apresenta a mesma posição da socióloga é Eduardo Nunes, doutor em Economia com atuação nos setores de violência e segurança pública: “Combater a violência, com certeza, é um desejo majoritário na sociedade, embora saibamos que a violência também encontra seus defensores e aqueles que lucram com ela. Primeiro é preciso discutir propostas concretas e alternativas e não apenas uma legislação que permita a compra e posse de mais ou menos armas. Isto porque não existem evidências científicas, baseadas em experiências históricas concretas e, consequentemente, convincentes, de que o armamento da sociedade seja uma efetiva política de combate à violência.

É claro que interesses específicos, aqueles que lucram com a produção de armas juntamente àqueles que veem nas armas e nos exércitos privados uma forma de proteger a propriedade privada, defendam o maior armamento e o crescimento deste mercado. Mas, infelizmente, o acesso às armas não é uma discussão apenas de leis, mas fundamentalmente de poder econômico. Porque embora as leis possam ser mais ou menos permissivas, não podemos esquecer que o poder econômico e a desigualdade social serão decisivos na hora de facilitar o acesso às armas. Portanto a premissa de facilitar o acesso às armas é por absoluta desigualdade econômica uma assertiva falsa. A ideia de um Estado que detém o monopólio da força e que deveria cuidar da segurança pública, tratando todos os cidadãos com igualdade de direitos é substituída pelo poder econômico de indivíduos e grupos que irão legitimar seus arsenais privados.”


No Mapa da Violência de 2016, publicado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) com o título “Homicídios por armas de fogo no Brasil”, mostra como o Estatuto do Desarmamento freou o crescimento acelerado do número de homicídios no país. De 1980 até 2003, os números de vítimas de homicídio por armas de fogo seguiam um ritmo de aumento de 8,1% ao ano, ou seja, dos 6 mil casos registrados em 1980 houve um salto para 36 mil até 2003. Já no ano da sanção do estatuto até 2014, o ritmo dos casos de homicídio sofreu uma queda, correspondendo agora a um aumento de 2,2% de mortes por arma de fogo ao ano. Por fim, a pesquisa aponta que só no ano de 2014 o estatuto poupou em média 17 mil vidas, que se somada a anos anteriores, totalizam 133 mil vidas poupadas.


Os civis e representantes políticos que são a favor da flexibilização do estatuto, que viabilizam o maior armamento da população, acreditam que as armas de fogo auxiliaram no combate ao crime, uma vez que será um forte aliada às reações de violência urbana. O cidadão poderá se defender nas ruas ou na sua casa de assaltos, brigas e outros conflitos sociais dos criminosos que, mesmo com as leis de restrição ao acesso a armas de fogo, conseguem possuir seus exemplares para a concretização de seus atos ilegais. Já o economista Nunes discorda desse ponto de vista: “Não existem evidências concretas que nos levem à conclusão de que o armamento desigual da sociedade, decorrente das assimetrias econômicas, criará mínimas condições de segurança pública e individual. O maior armamento da sociedade apenas reforçará a falência do Estado na sua missão de prover com igualdade, legitimidade e competência a segurança pública”. Ressalta, ainda, que a maioria dessas armas em posse desses criminosos tiveram origem de desvio ou roubo de armamento policial, além do tráfico ou compra ilegal delas. E conclui: “Facilitar a venda de armamentos e munições representa um enorme risco de ampliar os canais de transferência de armas aos bandidos e aos para-policiais. Deste modo, a generalização do porte e uso de armas recoloca a questão de quem tem o legítimo direito a decidir pela vida dos outros.”


Os Estados Unidos são um dos países em que a posse e o porte de armas é liberado, com poucas restrições, e possui livre comércio de armas de fogo. Mas alguns números quanto a situação do país não são muito bons. Dados que fazem com que a população estadunidense peça medidas mais restritivas quanto as armas de fogo, ao contrário do Brasil. De todos seus casos de suicídios em 2016, 64% deles foram causados por armas de fogo. Frequentemente no país há ataques armados com mortes em massa, como o caso que ocorreu no festival de música country em Las Vegas, em 2017, quando um homem armado disparou contra a multidão e matou pelo menos 58 pessoas e deixou 500 feridos. Além desse caso, o país norte-americano possui várias ocorrências semelhantes em escolas com ex-alunos.


A professora Débora Pastana também usa os Estados Unidos como um exemplo de país onde há a grande liberação das armas, mas possui uma violência fatal. Ela se preocupa com os rumos dessa maior liberação no Brasil. “O Brasil já possui índices preocupantes de mortes violentas. Só no ano de 2017 quase 60.000 pessoas foram assassinadas. Em grande medida, uma das justificativas para esse número alarmante é a crescente oferta e circulação de armas de fogo no país”.


Por fim, ela contesta a tese defendida pela ‘bancada da bala’, que afirma que o país arma o ‘bandido’ e desarma o ‘cidadão de bem’ – termos esses que de acordo com seu ponto de vista são pejorativos, uma vez que essa é uma visão maniqueísta da sociedade, para ela todos são cidadãos. “Uma arma de fogo é perigosa tanto na mão de um assaltante quanto na mão de um “pai de família” embriagado e enfurecido. Ou nas mãos de uma mulher ciumenta, porque não?”

Pastana ressalta também que a ilegalidade das armas também é um fator a ser levado em conta: “Por outro lado, é também importante saber que muitas das armas apreendidas nas mãos de pessoas criminosas são produzidas aqui no Brasil e não representam armamento pesado. Segundo o Mapa do Tráfico Ilícito de Armas no Brasil, produzido pelo Ministério da Justiça no ano de 2010, destaca que ‘O número de armas que entra pelas fronteiras secas é irrisório se comparado com o número de armas fabricadas no país, compradas legalmente, que vão para a ilegalidade. As armas curtas respondem por mais de 80% das armas apreendidas. O número de armas militares como fuzis, submetralhadoras e metralhadoras é muito reduzido” (Agência Brasil, 20/12/2010).” Portanto, cai por terra a afirmação de que os crimes cometidos no país são apenas com armas ilegais e que por isso as armas dos “cidadãos de bem” não necessitam de controle.


Ítana Santos
itanaluzia@gmail.com
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