
26 fev Tem que manter isso, viu?
A intervenção federal no Rio e os jogos políticos dentro do Congresso
Jango, então presidente, renunciou em 1961; 55 anos depois, Dilma foi impeachmada. João Goulart, vice-presidente, assumiu após veto militar à posse de Jânio Quadros – esquerdista demais para os oficiais do exército – e se submeteu à Emenda Constitucional nº4, presidindo um regime parlamentarista no Brasil; Michel Temer assumiu logo de cara, às 16h no plenário do senado. O golpe militar aconteceu em 31 de março de 1964, com a deposição de Goulart, três anos após a renúncia de Jango; o impeachment de Rousseff, em decorrência da acusação de crime de responsabilidade em pedaladas fiscais, se sucedeu em 31 de agosto de 2016, determinado pela perícia no mesmo ano como infundado.
A decisão foi tomada tão autoritária e rapidamente que não restou tempo à população para sequer discutir o assunto[…] | Foto: Leo Correa (AP)
E Temer chegou disposto. Mesmo em período anterior à sua posse como presidente interino, chegou a assinar 202 decretos, 87 nomeações, 31 leis, 20 exonerações, 16 medidas provisórias e dois vetos a leis aprovadas pelo Congresso. Em 2017, após todo o caótico cenário político vivenciado no ano anterior, tornou-se o primeiro presidente do Brasil a ser denunciado por corrupção e responder pelo crime mesmo durante o mandato – nenhuma sombra de impeachment -, envolvendo-se em medidas polêmicas como a Reforma da Previdência, Reforma do Ensino Médio, Reforma Trabalhista e teto de gastos públicos, além de receber mais uma carinhosa nomeação: é o presidente mais impopular da história do país.
Mas ele não parece muito preocupado com sua imagem pública. Tanto é que, sob a fala de que “o governo dará respostas duras e firmes às medidas de segurança pública”, assinou um decreto de intervenção federal na segurança do Estado do Rio de Janeiro. Decreto esse, rapidamente protocolado por funcionário da Casa Civil na Primeira Secretaria da Câmara e, mais rapidamente ainda, colocado em vigor. Assim, o general do Exército Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste, torna-se o principal interventor do estado, respondendo apenas a uma pessoa – o digníssimo presidente da República. Torna-se responsável também pelas polícias Civil e Militar, pelo Corpo de Bombeiros e pelo Sistema Carcerário do Rio de Janeiro.
A decisão foi tomada tão autoritária e rapidamente que não restou tempo à população para sequer discutir o assunto – como já é comum num país onde várias medidas são tomadas de madrugada, o mesmo horário em que o trabalhador descansa –, previu uma pesquisa favorável à intervenção realizada no Rio de Janeiro, aquela que não abrangeu em sua totalidade os incontáveis moradores dos morros, os negros e pobres da periferia que sofrerão a realidade de uma intervenção federal. Uma intervenção torna-se uma medida mais drástica até mesmo que a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que permite a atuação das Forças Armadas na segurança pública; esta retira do cargo o secretário civil da segurança pública do Estado – no caso, Roberto Sá – e reconfigura o sistema de justiça, colocado agora nas mãos da 1ª CJM (1ª Circunscrição Judiciária Militar). E é este um sistema muito mais rígido que as decisões judiciárias civis.
Entram em jogo agora os pormenores. Embora jamais utilizado anteriormente – Temer gosta de inovações -, o decreto de intervenção é previsto na Constituição de 1988. A justificativa para a emancipação dela é que o Rio é a capital mais violenta do país e que os índices de agressão durante o Carnaval são crescentes, ainda que o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas) não o leve em consideração num ranking de 30 municípios do país e que os indicadores de homicídios e furtos tenham caído consideravelmente nos últimos anos. Engraçado ainda que, pela lei, não poderia haver alteração da constituição enquanto a intervenção federal estiver vigente – isso inclui as reformas de Temer. No entanto, o respeitável presidente já anunciou que pretende suspender temporariamente a intervenção apenas para revogar a Reforma da Previdência. Depois, voltamos aos militares.
Até o pré-candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, que se posiciona fielmente favorável ao porte de armas e à exclusão – vulgo homicídio – das minorias, proclamou ao Gazeta do Povo que este “é um decreto político por parte do presidente Temer, que usa as forças armadas em causa própria”, classificando a iniciativa do político como uma piada. Ironicamente, tanto ele quanto seu filho, Eduardo Bolsonaro, votaram a favor da intervenção federal.
Mas, de pronunciamentos paradoxais por parte dos governantes, podemos coletar vários. A ministra do Superior Tribunal Federal e única mulher do lugar, Elizabeth Rocha, proclamou com toda maestria à BBC que “não dá para culpar os militares se a intervenção no Rio der errado” – o que é muito curioso, visto que são eles os interventores máximos do Estado. Já Sérgio Etchgoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional General, prefere afirmar que “as Forças Armadas jamais foram ameaça à democracia em qualquer tempo; ameaça à democracia é a incapacidade das polícias estaduais em enfrentarem a criminalidade” – trata-se de um desconhecimento da história do país?
Já faz tempo que o cenário político brasileiro não anda dos melhores. Um escândalo atrás do outro não é suficiente para derrubar Temer, apenas Dilma. Áudios, acusações e perguntas se aglomeram e o morro diz que se prenderem Lula, vai descer. Trump já elogiou Temer pelas medidas e reformas colocadas em vigência; a Justiça Global denunciou o país à ONU (Organização das Nações Unidas) e OAE (Organização dos Estados Americanos) pela intervenção militar no Rio. Mas a burguesia gosta de bater panela. Tem que manter isso, viu?
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