23 mar Terceirização aprovada em benefício de quem?
Deputados contrários ao projeto levaram, ao plenário, patos infláveis com a frase “devorador de direitos”. (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados).
Hoje, 22 de março, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que regulamenta a terceirização em todas as atividades de empresas privadas e também no serviço público. O projeto tem uma longa história: é de 1998 e foi apresentado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Já passou pela Câmara uma vez, em 2000, depois pelo Senado, em 2002. Os senadores propuseram alterações no texto e, por isso, a Câmara precisou analisar novamente.
Em 2015, uma proposta semelhante foi aprovada pelos deputados. Então, por que “ressuscitar” uma antiga? Porque a proposta de dois anos atrás sequer começou a ser analisada no Senado. Aquela de 1998 não precisa voltar para análise dos senadores porque isso já foi feito em 2002. Assim, basta que a Câmara aprove para que se dê o próximo e último passo: a sanção do presidente Michel Temer, que é a favor da proposta.
Mudanças importantes – em proporção, não em qualidade – acontecerão nas relações trabalhistas, com essa aprovação. Até então, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabelece que uma empresa privada pode contratar serviços terceirizados apenas para suas atividades-meio, e o projeto em questão prevê que isso também possa ser feito nas atividades-fim. A empresa poderá terceirizar todos os seus funcionários. Na prática, uma faculdade particular, por exemplo, que terceiriza serviço de limpeza, poderia agora terceirizar também seus professores – que fazem parte de sua atividade-fim, determinam a qualidade do serviço final que oferecem à sociedade: ensino.
Outro aspecto de importância é em relação aos direitos do trabalhador. De acordo com o projeto aprovado, a empresa que terceiriza funcionários só pode ser acionada a arcar com débitos trabalhistas e previdenciários, nos casos em que a empresa terceirizada – que contratou diretamente os trabalhadores – não fizer esse pagamento. Essa é a responsabilidade subsidiária. Caso houvesse a responsabilidade solidária, o trabalhador poderia acionar, tanto a empresa contratante, quanto a terceirizada. Em resumo, corre-se o risco de ninguém se responsabilizar. Se a empresa terceirizada falha, o trabalhador não poderá recorrer a empresa contratante para receber o que é seu por direito.
Movimentos trabalhistas se manifestaram contra o projeto de regulamentação da ampla terceirização. (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados).
Durante a sessão de votação, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – que é líder do governo na Câmara – afirmou que, no Brasil, “há uma legislação arcaica que impede que o país seja competitivo”, na tentativa de justificar a aprovação do projeto. Aumentar a competitividade das empresas brasileiras e modernizar as relações de trabalho são outros argumentos de deputados favoráveis.
Por outro lado, em entrevista à Agência Brasil, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) afirma que a proposta de 2015, semelhante a essa, ouviu movimentos e centrais sindicais. Seria, portanto, mais sensato e honesto debater essa proposta, por meio de uma ampla discussão.
É certo que, na economia de um país, todos os aspectos estão interligados. Empresas mais competitivas movimentam a economia e geram empregos, por exemplo. Se uma economia estável retorna de maneira positiva à sociedade, isso é ótimo. Mas de que empregos estamos falando? Em que condições? Aguinaldo Ribeiro falou também que o projeto “não vai tirar emprego de ninguém”. Mas a questão é mais complexa. Há que se observar as condições de trabalho, o cumprimento de direitos. Não basta estar empregado. A história, composta de lutas por direitos trabalhistas no mundo todo, nos reforça isso.
Teria sido, portanto, mais sensato e honesto debater essa proposta, por meio de uma ampla discussão. Especialmente, ouvir todos os envolvidos, empresários contratantes e trabalhadores, a fim de construir coletivamente uma legislação que beneficiasse a economia do país, porém sem fragilizar, sobretudo a parte já vulnerável nesta relação.
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