
18 maio Tira a mão da minha educação
Em 30 de abril surgiram as primeiras notícias de que seria realizado um corte de até 30% do orçamento da Universidades Federal da Bahia (UFBA), Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), com a justificativa de que tais Universidades “não apresentaram desempenho acadêmico esperado e promoveram “balbúrdia” em seus campus”. Dias após, a notícia trágica: o corte de verba seria contra todas as universidades brasileiras. Com o corte de, em média, 30%, despesas básicas como limpeza, água, luz e manutenção estariam condenadas. E veio das próprias instituições os prognósticos: a maior parte declarou que só sobreviveria até setembro deste ano.

Sem educação, sem futuro |Foto: Jhyenne Gomes | Agência Conexões
Sem educação, sem futuro | Foto:
Tuila Tachikawa | Agência Conexões
Em Uberlândia, Minas Gerais, o corte afetará toda a região, como explicado em nota oficial da Universidade Federal de Uberlândia que, além das pesquisas, ensino e extensão que realizam nos campis em Uberlândia, Monte Carmelo, Patos de Minas e Ituiutaba, é responsável pelo funcionamento do Hospital de Clínicas, que atende pessoas de todo o Triângulo Mineiro. Desde então, a assessoria de comunicação tem realizado trabalhos que visam mostrar a importância da Ufu para a comunidade. Mas ninguém quer saber de importância. Querem esbravejar nas redes sociais que Universidade é lugar de maconheiro, de vagabundo, de esquerdopatas. É reduto de comunistas! Querem, diariamente, desacreditar a mídia e os profissionais, se entupindo de informações falsas. Tampam os olhos, tampam os ouvidos. Não escutam.
Mas nós não desistiremos.
Levantamos e, como diria minha vó, “entramos no prumo”. Digerimos a informação e nos preparamos para a resposta quando, de repente, outro golpe.

Foi anunciado de contingenciamento de mais de R$ 2 bilhões no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e bolsas de pesquisas de mestrado e doutorado foram cortadas, afetando diretamente o futuro do país. Sendo que, no início do ano, centenas de bolsas de Iniciação Científica já haviam sido canceladas por diversas agências financiadoras. Imediatamente as redes sociais foram inundadas por relatos de pesquisadores que precisariam largar suas pesquisas pois não teriam condições de se manter. Deixariam de lado pesquisas que poderiam ajudar a entender fenômenos sociais, que poderia curar doenças, pesquisas que ajudariam na construção no futuro da nossa nação. Mas não mais.
Fotos: Tuila Tachikawa (direita) e Jhyenne (esquerda) | Agência Conexões
A ciência produz conhecimento, conhecimento destrói mitos
Como levantar da cama e pensar na resposta a esses golpes quando você vê seu sonho, seu objetivo e seu empenho de anos ir embora ralo abaixo com uma simples canetada? Como conseguir encontrar sua voz quando sua garganta está entalada com o choro que insiste em tomar conta? Sabíamos que não seria fácil. Sabíamos que seríamos apunhalado pelas costas, mas acho que ninguém estava preparado.
Fotos: Tuila Tachikawa (esquerda) e Gabriel Magalhães (direita) | Agência Conexões
Então vem as justificativas vãs. Usam de informação falsa para demonizar a imagem das universidades públicas. Usam de má fé para tentar esconder a grandiosidade do corte. Dizem, até, que os cortes seriam para poder investir em educação básica. Mas as máscaras não duram tanto tempo.
Toda revolução começa com uma faísca

Foto: Julia Alvarenga | Agência Conexões
Não é difícil perceber o porquê do insistente ataque às Universidades Públicas. Basta se atentar para o discurso que ganhou as eleições para a presidência, em 2018. Um discurso elitista, racista, machista, misógino e capacitista. Não é difícil perceber que o novo modelo de uma universidade pública incomoda.
A mudança desse perfil foi gradual e tornou-se possível a partir de políticas de ação afirmativas, que começaram a ser implementadas a partir de 2005. Em 2007 houve a criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que possibilitou a ampliação de diversos campis e o surgimento de novos cursos, além da Lei 12,711 (2012), conhecida como Lei de Cotas.
Fotos: Jhyenne Gomes, Tuila Tachikawa e Mariana Palermo | Agência Conexões
Segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) graduandos (as) das IFES (2018), o número de estudantes autodeclarados pretos em 2003 era de 5,9%, enquanto em 2018 eram 12%, ou seja, mais que o dobro. Em números absolutos, a comunidade acadêmica preta era de 27.693, em 2003 e, em 2018, são 143.599. Números ainda insuficientes, principalmente quando comparados com a comunidade branca, que representava, em números absolutos 278.811, em 2003 e 520.008, em 2018 , o que corresponde a cerca de 52% em 2003 e apresenta um decréscimo para 38,6%, em 2018.
Nesse período também houve um aumento do percentual de mulheres nas Universidades; em 2003 eram 53% e, em 2018, representavam 54,6% da comunidade acadêmica.

Foto: Fernanda Torquato | Agência Conexões
Nas última décadas, a sociedade brasileira foi confrontada com esse novo modelo de universidade pública que a cada dia tem se empretecido mais, que a cada ano é apropriado por jovens pobres, que até pouco tempo nem enxergavam a oportunidade de pôr os pés em uma universidade /pública. A diversidade tem incomodado. A multiplicidade amedronta. A produção de conhecimento e a apropriação desse conhecimento pelas classes baixas deixam de cabelo em pé aqueles que tentam usurpar as riquezas.
Os idiotas úteis
Mas não esperavam o levante da juventude! Não esperavam que o povo fosse para as ruas lutar por seu direito à educação. Mas nós fomos. E, no último dia 15, por todo o país, as ruas ficaram lotadas em protestos contra o desmonte da educação. De crianças à idosos, da Educação Básica à Universidade, todos juntos em defesa de uma educação libertadora.
Quando questionado sobre as manifestações que tomaram as ruas Brasil afora, o Presidente Jair Bolsonaro (PSL), que estava em Dallas, no Estados Unidos, disse que “ a maioria ali é tudo militante, tem nada na cabeça, se perguntar 7×8 não sabe nada, se perguntar a fórmula da água não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecís, que estão sendo usados como massa de manobra…”
Fotos: Jhyenne Gomes e Tuila Tachikawa | Agência Conexões
Sejamos então “idiotas úteis” por acreditar em uma educação emancipadora e inclusiva. Idiotas úteis por acreditar nos avanços sociais quando a universidade é ocupada por pretos e pretas, por mais mulheres, por mais LGBTQ+, por mais indígenas, por mais pessoas com deficiência. Somos idiotas úteis por pesquisar, por produzir ciência. Sejamos idiotas por sonhar com um futuro pois, sem educação, não há futuro.
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