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3,4 milhões de títulos são cancelados. E agora?

 

 

Enquanto estava imersa no processo de tirar carteira de motorista, num dia de sol ainda distante das eleições, meu instrutor me contou:

 

  • Rasguei meu título de eleitor.

 

Lembro-me da sensação do choque inicial. Nunca pensei que conheceria alguém que cometeria tamanho ato. Dirigindo no automático, dei seta e virei à direita. Então olhei pra ele:

 

  • Por que? – minha pergunta saiu num sussurro.

 

E ele, dando de ombros nada tão incrédulo quanto eu:

 

  • Não acredito em mais ninguém.

 

O cenário eleitoral de 2018 reúne palavras premonitórias. Decepção, desencanto, descrença, frustração, desconfiança e desilusão são apenas algumas delas.

 

Talvez por isso, nas eleições deste ano, no mínimo 3,4 milhões de brasileiros não irão comparecer às urnas. Digo no mínimo porque não sabemos ainda quantos vão optar, como meu instrutor, por não votar e não justificar a ausência – e, aqui, temos um dado interessante: só em 2016, a multa de R$ 3,51 a cada não votante chegou à uma dívida de R$ 98 milhões à Justiça Eleitoral. Quem se lembra dos trâmites de recadastramento biométrico desde novembro de 2016 sabe: 3,4 milhões de eleitores não se recadastraram e não terão autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para votar.

 

Na semana passada, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) apresentou um pedido de reconsideração ao STF, mas a decisão foi corroborada na última quarta-feira (26). A consequência imediata é a redução do número de eleitores para 147,3 milhões e a perda de 2,4% do eleitorado. A porcentagem é pequena, mas não insignificante. O que afirmam os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio – os únicos a votarem a favor do pedido do PSB – é que o número de não votantes é suficiente para alterar os resultados das eleições. Explico-me melhor: nas eleições presidenciais de 2014, a então candidata Dilma Rousseff (PT) derrotou Aécio Neves (PSDB) por uma diferença de 3,5 milhões de votos.

 

Os números ficam ainda mais interessantes ao serem observados de perto. O estado com mais títulos cancelados é a Bahia, totalizando 586.333 cancelamentos. Ao somado com o restante dos estados do Nordeste, o número chega a 1,7 milhão – metade dos não votantes – e classifica o Nordeste como a região de menor eleitorado. Se Ceará, Maranhão e Pará também trazem grandes números (os cancelamentos são de 234.487; 216.576 e 204.914, respectivamente), somam-se aos dados o seguinte fato: é na região Nordeste que o candidato Fernando Haddad (PT) tem seu melhor desempenho e Jair Bolsonaro (PSL) tem seu pior resultado. As intenções de voto contrastam-se de 26% a 17%.

 

Há muita polêmica em torno das estatísticas: enquanto o magistrado do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) afirma que o recadastramento foi divulgado em contas de água e luz, campanhas publicitárias, estádios de futebol e boletos de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o que impossibilitaria a não informação da população; Lewandowski publicamente argumenta: “No interior do Amazonas, no interior do Pará, onde não há televisão, não há internet, de repente o cidadão perde o direito de votar porque os tecnocratas do TSE, talvez em boa hora, resolveram recadastrar, aperfeiçoar o cadastro”.

 

Há ainda mais facetas no jogo. A primeira delas é o problema das filas: em 30 de janeiro, um dia antes do fim do prazo de recadastramento, os eleitores formaram uma fila de 1,5 km em frente ao TRE de Salvador. Muitas pessoas, inclusive – e certamente esse é um grande fator em nossa situação atual – deixaram para fazer o recadastramento na última hora. Em Uberlândia, por exemplo, 12% do eleitorado não havia realizado o processo até o último dia. Em Salvador, a porcentagem chegou a 20%.

 

Outra singularidade: dos 5570 municípios registrados no Brasil, apenas 716 passaram por recadastramento biométrico obrigatório este ano. Das capitais, apenas quatro – e três são do Nordeste: Campo Grande (MS), Salvador (BA), Belém (PA) e Natal (RN). Em São Paulo, por exemplo, em que Bolsonaro lidera a corrida presidencial, não houve obrigatoriedade.

 

Some tudo o que foi dito ao cenário eleitoral. O artigo de opinião de hoje é mais uma pergunta que uma opinião propriamente dita: Se não houvesse títulos de eleitor rasgados, se 3,4 milhões votassem em 2018, se houvesse inclusão nordestina, o resultado poderia ser diferente? No mais, para onde estamos indo? Onde estaremos ao final desse mês eleitoral?

 

Descobriremos.

Beatriz Ortiz
ortizcamargob@gmail.com
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