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Tubal Vilela, o feminicida absolvido

Tubal Vilela da Silva era uma figura importante na Uberlândia do século XX. Cidadão carismático e empreendedor nato, o sujeito construiu a sua história em meio ao comércio e à política. Por onde se passava, se ouvia o nome de Tubal! Primeiro, ele atuou em diversas iniciativas de mercado, fundando desde armazéns até postos de gasolina. Depois, lançou-se na governança como vereador e, mais tarde, como deputado estadual de Minas Gerais e como prefeito do município.

A cidade fez até ditado para homenagear o homem. “Deus fez metade de Uberlândia e Tubal Vilela fez outra”, enfatizavam os uberlandenses na década de 1950. E, até hoje, as ações desse cidadão tão cativante repercutem nos olhos e nos ouvidos do município. Não há uberlandense que nunca tenha visitado a praça Tubal Vilela! Entretanto, o que se mantinha fora da boca do povo até 2015 era que o pomposo empresário estava metido no assassinato de sua primeira esposa, Rosalina Buccironi, em 1926.

Com Rosalina, Tubal teve dois filhos. Rosalina era filha do sapateiro italiano João Buccironi e de sua esposa, Olga Buccironi, e tinha 19 anos quando esperava pelo terceiro herdeiro de Tubal. O empresário, então, começou a ouvir rumores de que a mulher o traía. Num fim de tarde, ao chegar em casa, disparou quatro vezes contra a cabeça e contra o peito de Rosalina, matando-a junto com a criança em seu ventre. Era 21 de maio de 1926. As suspeitas de traição nunca se confirmaram.

Nos dias de hoje, o que se esperaria é que Tubal fosse indiciado por feminicídio – termo usado para definir assassinatos de mulheres em razão de gênero – e permanecesse na cadeia de 12 a 30 anos. Mas Rosalina foi morta 93 anos atrás, ainda na primeira metade do século passado, quando o machismo da sociedade se refletia escancaradamente na legislação brasileira.

Embora o Código Penal nunca tenha permitido a absolvição de quem matasse por traição conjugal, era comum que os advogados, na defesa do cliente, utilizassem o argumento de “legítima defesa da honra”. A lógica por trás da premissa seria que a honra é parte da pessoa – como a vida ou o corpo – e, por isso, todos têm o direito de matar para protegê-la. Para justificar o argumento, muitos advogados recorriam ao artigo 27 da Constituição que vigorou entre 1890 e 1940: seriam lícitos os atos cometidos por pessoas que “se achassem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime”.

O caso de Tubal Vilela seguiu exatamente esse script. Com um júri composto apenas por homens, o réu foi absolvido sob a defesa de perturbação dos sentidos e de inteligência durante o crime. O processo judicial foi um dos mais rápidos da história brasileira, durando apenas 25 dias. Tubal seguiu liberto e atuante na carreira comercial e política. Mais tarde, casou-se novamente – desta vez com Nila Siqueira – e, com ela, teve três filhos.

O caso de Tubal não foi o único justificado como crime de honra no século XX. Junto com ele, muitos homens foram absolvidos pelo assassinato de suas companheiras. Foi a situação de João Felizardo Dutra, que espancou a esposa até a morte com uma mão de pilão, em 1927, quando a mulher o desobedeceu; ou de Bellarmino Bernardes de Oliveira, que deu tiros em sua companheira depois que ela o insultou de sem-vergonha, em 1926. Entre muitos outros, registrados em Uberlândia e pelo país afora…

Hoje, a Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/2006) e a Lei do Feminicídio (lei nº 13.104/2015) representam grandes avanços constitucionais para a vida da mulher. Uma decisão legislativa tardia, que representa o quanto o sistema judiciário não necessariamente corresponde à justiça. O que vemos é que a legislação, muitas vezes, reflete o imaginário social de uma época. Na Grécia Antiga, o sistema legislativo determinava que mulheres não eram consideradas cidadãs e, por isso, não cabia a elas participar das decisões políticas. Até pouco tempo atrás, a legislação brasileira ainda determinava que mulheres não podiam votar. Há apenas quatro anos, o assassinato de mulheres em razão do gênero era julgado como homicídio doloso.

O julgamento de Tubal Vilela enquadrou-se aos procedimentos judiciais, mas não foi justo. A morte de Rosalina Buccironi não foi justa. E a vida dessa mulher, que tinha apenas 19 anos, nunca pode ser substituída.

Em Uberlândia, o movimento feminista busca fazer justiça à Rosalina retirando o nome de Tubal Vilela da praça principal da cidade e colocando em seu lugar o nome de Ismene Mendes, uma advogada sindical que lutava junto aos trabalhadores da região. Ela também foi assassinada e injustiçada pelo judiciário brasileiro em um caso de 1985.

Beatriz Ortiz
ortizcamargob@gmail.com
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