24 fev UFU oferece 40% menos assistência a estudantes do que antes do Teto de Gastos
Por Blaranis Gomes e Lucas Ribeiro
Pró-reitora de Assistência Estudantil relata as perdas do setor desde 2017 e aponta estratégias de resistência
Uma das áreas que sofreu maior impacto com os cortes de investimento na Educação desde a implementação da PEC do Teto de Gastos foi a de Assistência Estudantil. Atualmente, a Pró-reitoria atua com recursos financeiros oriundos de rubrica específica do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). O Pnaes foi criado em 2007 como uma Portaria do Ministério da Educação e, em 2010, transformado em Decreto Presidencial com o objetivo de “viabilizar a igualdade de oportunidades entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão” . Essa rubrica é um item específico da lei orçamentária e, no caso do Pnaes, não compõem os recursos para o funcionamento da universidade, sendo específico para ações e atividades da AE no que tange aos estudantes de graduação, conforme esclarece a pró-reitora de Assistência Estudantil da Universidade Federal de Uberlândia, Elaine Saraiva Calderari.
O Portal do MEC detalha que “o Pnaes oferece assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico. As ações são executadas pela própria instituição de ensino, que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento do programa”.
A Pró-Reitoria de Assistência Estudantil da UFU recebe recursos tanto destinados da rubrica que mantém o funcionamento da instituição no caso de outros níveis de escolaridade, quanto do Pnaes, no caso da graduação. Essa dupla entrada de verbas é resultado de uma luta do movimento estudantil que data das décadas de 1960 e 1970 para conseguir inserir a assistência na Lei Orçamentária da União, com uma rubrica específica, explica Saraiva.
Ainda em 2019, a pró-reitora contou para a Conexões sobre os primeiros impactos dos cortes e quais as estratégias adotadas para tentar minimizá-los. Agora, em 2023, Saraiva apresenta um panorama das ações de resistência às restrições orçamentárias da área de Assistência Estudantil e das expectativas futuras. A entrevista compõe a série especial #UFURESISTE – Seis anos de Teto de Gastos, uma produção da Conexões em colaboração com a Diretoria de Comunicação Social da UFU.
Conexões: Quais foram os principais impactos enfrentados desde 2017, quando o Teto de Gastos aprovado no final de 2016 passou a valer?
Elaine Saraiva: O Pnaes é iniciado no ano de 2007 por meio de uma portaria e em 2010 foi transformado em decreto. O aporte de recursos foi crescendo de forma significativa ano a ano, até 2016. A proposta política deste período era implementar um programa de permanência em consonância com as políticas de ingresso por cotas sociais. A intenção era garantir a implementação de diversas ações e de forma gradativa nos anos subsequentes, até chegarmos em 50% de cotas sociais aos nossos (nossas) estudantes, conforme prevê a legislação e sob um montante de recursos que pudessem garantir para esses estudantes e aos demais em vulnerabilidade a sua permanência nos IFES. O programa de permanência tem como objetivo garantir as condições adequadas para que os(as) estudantes, que são os mais vulneráveis, possam permanecer e concluir o ensino superior nas instituições publicas. A permanência é uma ferramenta para promover as condições de equidade e justiça social aos grupos sociais vulneráveis, para que assim, seja possível, o oferecimento de oportunidades mais igualitárias de acesso e conclusão do ensino superior. Chega 2016, com o processo de impeachment e a após a entrada de um novo governo, identificamos um aumento significativo nos ingressos de cotas sociais, no entanto, um movimento invertido com a redução significativa de recursos financeiros para investimentos na permanência aos estudantes. Em 2019, após uma queda significativa em 2017 e 2018, conseguimos uma recomposição em valores aproximados ao ano de 2016, por meio de um grande movimento da Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior] junto ao Fórum de Pró-reitores de Assistência Estudantil (Fonaprace). No governo Bolsonaro, a partir do ano 2020 cria-se um desequilíbrio enorme nas rubricas do Pnaes, porque se determina a fragmentação dos recursos Pnaes nas IFEs e sua liberação condicionada em dois momentos durante o ano fiscal. O primeiro momento, a disponibilização imediata de 60%, no caso da UFU, em torno de 12 milhões e o restante condicionado a aprovação do Congresso Nacional. Em 2021, a situação piorou: a liberação imediata de apenas 40%, cerca de 7 milhões no primeiro semestre e o restante apenas aprovado no Congresso no segundo semestre do mesmo ano. Essa situação promove o engessamento de ações, pois não temos mais tempo hábil para novas licitações e contratações. No entanto, em 2022, mesmo após a aprovação da Lei Orçamentária Anual da União (LOA), fomos surpreendidos com um corte linear em todas as instituições no mês de junho. Todo o planejamento anual realizado foi desconfigurado, sendo que neste momento já estávamos firmando contratos e em pleno lançamento de editais, gerando uma insegurança institucional, mas também grandes dificuldades de garantir uma reação eficiente e rápida junto aos (as) estudantes. A questão é que a pró-reitoria se prepara anualmente para distribuir os recursos aprovados na LOA, conforme suas necessidades e demandas e, de repente, sem aviso e após aprovado a lei, o recurso é retirado, sendo que os compromissos já foram firmados.
Conexões: Quais foram as áreas mais afetadas? Elas se mantêm as mesmas de 2017 até o presente?
ES: Nesse momento, nós atendemos praticamente 40% a menos do que atendíamos entre os anos 2016 e 2017 para os auxílios moradia, alimentação, transporte. Nossa prioridade foi manter os RUs [restaurantes universitários] funcionando, porque envolve uma grande quantidade de estudantes em vulnerabilidade socioeconômica. Fomos suspendendo os editais e garantido os recursos para os (as) estudantes já assistidos (as). Não lançamos o edital de apoio pedagógico para a aquisição de material didático, um pleito dos/das estudantes no Fórum de Assuntos Estudantis. No ano passado, praticamente suspendemos grande parte das nossas ações e atividades que envolviam investimentos de recursos financeiros. Por exemplo, o apoio estudantil para apresentações em eventos, sejam científicos, acadêmicos, culturais. Suspendemos uma parte de ações de esporte e lazer, onde até hoje; não conseguimos reabrir as academias universitárias. No final do ano [de 2022], quando tivemos aquela situação onde o recurso financeiro, mesmo aprovado e liquidado, não foi enviado para os pagamentos dos auxílios no mês de dezembro e janeiro, já estávamos a ponto de, ou solicitar doações da comunidade universitária ou sugerirmos que cada servidor(a) pudesse apadrinhar em torno de cinco ou seis estudantes. Nós recebíamos ligações de estudantes falando: “Eu não vou ter onde morar. Eu vou para rua. Eu não tenho o que comer amanhã. Eu preciso receber o auxílio”. É desse público que estamos falando, quando tratamos de Assistência Estudantil. Não são grupos que vão dar um jeito, porque não tem jeito. Estamos falando de estudantes em categorias sociais e faixas econômicas E e D, ou seja, com renda per capita familiar de até um salário mínimo.
Conexões: Quem são as pessoas mais atingidas por esses cortes? Como elas são atingidas?
ES: Com certeza os estudantes. Hoje eu falo: se alguém quer saber como a universidade se encontra na questão de vulnerabilidade socioeconômica dos/das estudantes, basta fazer uma avaliação do RU. Se o contexto econômico e político não está bem, o restaurante estoura, ele tem uma demanda altíssima. Se as coisas começam a melhorar, a demanda vai baixando, porque parte do princípio [de que] quem tem um pouquinho mais de condições financeiras, também consegue acessar os restaurantes no entorno da universidade. Agora, se você não tem, é o restaurante universitário, porque você não vai encontrar uma refeição de qualidade e balanceada por R$ 3 em nenhum lugar, nem perto dos campi, nem na região. Nós utilizamos o RU para medir as condições socioeconômicas que nossos estudantes estão neste momento. O restaurante atende cerca de 17.000 estudantes, ele é o nosso maior equipamento coletivo, que consegue atender os estudantes com muita eficiência, lógico que depois de garantir a permanência com os auxílios. Ele é nosso tesouro. Nós sabemos que qualquer impacto nos RUs pode gerar a evasão, porque o estudante precisa estar bem alimentado para ter condições de se dedicar aos estudos. Ninguém estuda com fome. Além disso, os demais auxílios são fundamentais para garantir, por exemplo, o pagamento do contrato de moradia e, se não receber auxílio, o(a) estudante vai embora, porque não tem onde e nem como morar nas cidades dos campi da UFU. Assim, como não tem condições de ter outra renda para complementar pagamentos, em muitos casos não tem base familiar de apoio, como às vezes é colocado na mídia. Não, eles (elas) não dão jeito! Isso não existe quando falamos em pessoas com vulnerabilidade socioeconômica.
Conexões: O que foi feito para reduzir os danos dos cortes?
ES: Começamos estabelecendo parcerias público- privadas, que é algo que a universidade sempre fez na sua história, apesar de verificarmos discursos equivocados sobre esse assunto. Conseguimos uma parceria inédita com o Praia Clube, que é uma grande conquista da Proae, com a junção de duas grandes marcas ligados ao esporte de alto rendimento. O clube assumiu todos os grupos de treinamentos da UFU, portanto garante os treinadores capacitados e qualificados, além do acompanhamento do projeto, em contrapartida, garantimos a divulgação e a publicidade da marca Praia Clube junto aos nossos estudantes-atleta nas competições e representações da UFU em torneios locais, regionais e nacionais. É uma cooperação de sucesso, onde não há repasse de recursos financeiros entre as instituições e sim o oferecimento de serviços. Esse foi caminho que encontramos para superarmos uma fase complexa e caso contrário, os nossos times e a UFU que é a 5º melhor Brasil, estaria fora do JUMs [Jogos Universitários Mineiros] e outras competições no ano passado. Buscamos outros parceiros, como a UEMG, a UNIPAM e o IFTM, a Clínica Poética, o projeto Recore e Proteger-se, principalmente nas áreas que envolvem a qualidade de vida. Mas não é tão simples, nem tão fácil encontrarmos empresas que se sensibilizem e queiram investir em educação.
Conexões: Em relação ao novo governo e novas políticas públicas inseridas no contexto de 2023, é possível vislumbrar melhora no cenário da Educação como um todo?
ES: Essa é nossa expectativa. Reestabelecemos o canal de diálogo com o Ministério da Educação (MEC), o que já acalma um pouco as nossas angústias, pois entendemos que a interlocução é fundamental para buscarmos de soluções de forma conjunta, mas também para o gerenciamento de crises. Sabemos que o Brasil está passando por um momento difícil, não temos a expectativa de que vamos conseguir grandes mudanças estruturais em um curto prazo. Mas acreditamos que nesse período podemos retornar ao ponto de equilíbrio. Essa é a conversa que estamos estabelecendo com o MEC (por meio da Andifes e Fonaprace) e no qual temos a pretensão de garantir um novo aporte, que deveria ser em torno de 27% no caso da UFU, para a Assistência Estudantil. Essa possibilidade poderia garantir o retorno dos atendimentos de benefícios diretos (em auxílios em pecúnia) ou indiretos (em serviços, ações e atividades), equivalentes ao ano de 2019. Além disso, outra preocupação é a necessidade de complementação de profissionais especializados para consolidação das equipes técnicas das divisões desta pro-reitoria.
Texto atualizado em 25/02/2023 às 11h24.
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