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Um espaço para nós: negros

Segunda-feira. Universidade Federal de Uberlândia (UFU), campus Umuarama. Adriele chega entusiasmada, apesar de ser cedo, mostra no rosto o sorriso dos aprovados. Ela, recentemente, se mudou de Unaí, Minas Gerais, para Uberlândia, localizada a 451km de distância, com a intenção de cursar Zootecnia.

 

 

Nossa conversa aconteceu na biblioteca da instituição, com os livros de testemunhas, revivendo os dias de preparação de Adriele de Moura Soares, 17 anos, para o vestibular de inverno. Recém-formada no ensino médio da rede pública, ela escolheu a UFU como forma de seguir seu

 

  Foto: Roberto Vicente |Agência Conexões

 

sonho de continuar aprendendo. Por não ter condições de pagar um cursinho, ela estudou em casa, com o auxílio de livros e de versões de processos seletivos anteriores.

 

Os pais, Valdeci Soares Mesquita e Maria José de Moura Soares, sempre apoiaram a filha a seguir seu sonho. Ainda no ensino médio, a estudante tinha  o desejo de cursar Agronomia, porém se frustrou quando, em uma feira de ciências, um dos seus experimentos com plantas não deu certo. As tentativas para a escolha de uma graduação não pararam, ela optou pelo curso de medicina veterinária, prestou vestibular particular e passou, entretanto,  por ser muito cara, a matrícula não foi realizada. Foi quando amigos da família comentaram do curso de Zootecnia e Adriele, ao pesquisar  sobre, acabou se apaixonando por essa profissão.

 

A história de Adriele, à primeira vista, não parece tão distante da de muitos jovens que querem ingressar em uma universidade. A não ser pelo fato de ter que e passar pela primeira comissão técnica da UFU, responsável por analisar as modalidades de ingresso autodeclarativas de Pretos, Pardos ou Indígenas (PPI). A banca levava em conta as características fenotípicas dos candidatos para tentar reduzir a quantidade de fraudes no sistema.

 

Desde o início a estudante tinha conhecimento de que teria que passar por uma comissão. Quando chegou em Uberlândia foi diretamente para a faculdade, pois a entrevista estava acontecendo no Bloco 3Q do campus Santa Mônica. Adriele entrou para a avaliação um pouco tensa e preocupada, pois não sabia como seria esse processo. Após terminar a conversa, chegou a mandar uma mensagem para sua mãe comentando que não sabia se ela tinha sido aprovada.

 

A banca era composta por três pessoas que, enquanto avaliavam seus traços físicos, pediam a resposta de uma única pergunta: “Você já sofreu racismo?”, sendo que este questionamento não era um critério de exclusão.

 

Ao ser questionada, a sua resposta foi afirmativa. Durante a nossa conversa, Adriele relembrou momentos da infância e da adolescência em que o racismo começou a se tornar presente no seu cotidiano: “foi no ensino fundamental que eu realmente vivi o racismo, quando eu estava na sétima série. A escola fez uma reunião com os pais e a direção, os alunos levaram apenas suspensão”, conta.

 

A discente ressalta que em nenhum momento se sentiu ofendida com o novo método adotado pela universidade. Disse também que foi graças aos amigos que  conseguiu vir até Uberlândia para poder se apresentar à banca. Adriele entende a importância da política de cotas que as instituições oferecem e defende a comissão técnica, mediante ao seguinte argumento: “esse foi um método que gostei, porque se não fosse isso, não teria espaço para nós negros.” Segundo ela, as entrevistas não demoravam muito, os avaliadores eram bem pontuais e receptivos, não apresentavam estarem nervosos ou algo do gênero.

 

Quando o resultado saiu, ela não teve coragem de olhar, pois a insegurança e o medo estavam sendo maior que sua confiança, principalmente considerando que, de 1093 candidatos convocados, somente 396 foram homologados. Passaram-se alguns dias e finalmente ela viu que, sim, tinha sido aprovada. A felicidade foi tamanha, não cabia emoção dentro dela. Adriele tinha deixado de ser uma estudante de escola pública para ser uma universitária, um caminho difícil de se percorrer.

 

Agência Conexões
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