Observatório Luminar
Luminar é um observatório de mídia voltado para o acompanhamento sistemático da cobertura jornalística sobre políticas públicas. Acesse clicando aqui

Nada se cria, nada se perde, tudo se mercantiliza

 

A universidade pública é um antigo alvo do neoliberalismo; talvez, agora, ela esteja mais próxima de virar negócio

Em 94, a Argentina de Menem viu o que outros países latino-americanos já haviam visto ou, num futuro próximo, iriam ver.

Começou com a racionalização dos gastos com a universidade. Depois, vieram os contratos com empresas públicas e privadas e a venda de serviços e atividades de extensão. Mas quando, num caminho aprovado pelo Banco Mundial, foi anunciada a cobrança de mensalidades aos estudantes de universidades públicas, o país parou. A oposição não era unânime, mas majoritária. Mesmo assim, a resposta do governo foi uma forte repressão às manifestações, resultando em centenas de presos e feridos.

A Argentina de Menem não é muito diferente do Chile, Bolívia ou Equador vivenciados no final do último século, ouu ainda, pasmem, a um possível Brasil do futuro.

Por trás das cooperações internacionais está a concepção neoliberal da educação enquanto mercadoria. Neste mundo, o ensino é um serviço; os estudantes, as empresas e o governo são demandantes; as instituições educacionais são ofertantes. A universidade é uma empresa que deve atender aos sinais do mercado e maximizar a produção com o menor uso possível de recursos. As relações humanas são fluxos de caixa que pedem por dinâmica e monetização.

A matriz da modernização conservadora das universidades públicas tem como temas centrais a autonomia, a avaliação institucional e o financiamento. Apoiada no diagnóstico de ineficiência e desperdício, a matriz sugere um padrão de financiamento visando a racionalização dos recursos, maior eficiência e eficácia, competição e diferenciação entre as instituições de ensino superior.

Para Ricardo Abreu, colunista na revista Princípios, o padrão significa, na prática, a diminuição do investimento público. Como um reflexo da situação, as verbas do ensino superior na América Latina têm se deteriorado de maneira drástica em vários países desde a década passada.

Na Argentina, por exemplo, o investimento estatal em 1989 era 30% menor que em 1980. No Chile, a diminuição do financiamento público global foi de 35% nesse mesmo período e, entre 1973 e 1990, os gastos em educação superior como percentual do Produto Interno Bruto (PIB) caíram de 1,84% para 0,45%.

Enfim, nas mãos de Jair Bolsonaro (PSL), o mundo neoliberal é um doce sonho. Bolsonaro? Sim. No final de outubro, a equipe do presidente eleito anunciou que pretende instituir a cobrança de mensalidades em universidades federais para alunos de maior renda. Para isso, é necessário aprovar um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) na Câmara e no Senado. Afinal, o ensino público gratuito é garantido pela Constituição Brasileira.

A volúvel decisão (inconstitucional) não é uma surpresa. Se Cazuza via o futuro repetindo o passado, com certeza sabia das recaídas que o Brasil historiciza em relação aos Estados Unidos. E, com certeza, sabia que, mais cedo ou mais tarde, nos curvaríamos aos tênis de marca dos nossos amigos estadunidenses. Lá, um local de profunda concentração econômica, as universidades sempre foram pagas. Mesmo as públicas. E um adendo: as mais renomadas, com reputação internacional, são particulares.

Eu vejo um museu de grandes novidades.

 

Beatriz Ortiz
ortizcamargob@gmail.com
No Comments

Post A Comment