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Universo particular: O esporte como ferramenta para o desenvolvimento social de autistas

Aos 25 anos, Beatriz Andrade planejava seu segundo filho. Com uma gravidez tranquila, planejada e amada, Bruno Mamede veio ao mundo. Enquanto criança, ele atendia às expectativas que o cercavam, compartilhava seus interesses, atendia quando chamado e sempre mantinha o contato visual. Até que seus pais perceberam que tudo foi mudando. O contato visual já não acontecia, não respondia às perguntas básicas e se distanciava mais e mais.

Bruno foi levado ao pediatra e depois encaminhado a psicólogos, mas a saga para saber o que estava acontecendo estava só começando. Passaram por dois profissionais que negaram que existia alguma coisa. E, como décadas atrás, por preconceito e  desinformação colocaram a culpa na mãe. Dois psicólogos diagnosticaram a criança com “falta de afeto”, que apresentava “comportamentos autísticos” pois na época do desmame do peito ficou traumatizado e não criava vínculo afetivo com a mãe e, ainda, que a criança não confiava nos pais. Beatriz se sentia culpada. Até que, após consultar um neuropediatra, o diagnóstico veio: autismo leve. Naquela época, a  terapia foi o caminho encontrado. Essa técnica associada à leitura e ao esporte possibilitaram que os pais se informassem, conhecessem outras famílias e, assim, fossem se adaptando às adversidades que surgiram.

Da esquerda para direita: Bruno Mamede, Beatriz Andrade, Gabriel Mamede e Rafael Mamede. Foto: arquivo pessoal

O Autismo

A primeira definição de autismo como um quadro clínico ocorreu em 1943, quando o psiquiatra Leo Kanner relatou suas observações sobre  um grupo de crianças com idades que variavam entre 2 e 8 anos, cujo transtorno ele denominou de ‘distúrbio autístico de contato afetivo’. Com essa análise, ele conseguiu diagnosticar algumas características em comum, como a dificuldade em desenvolver relacionamentos, atraso na linguagem e tendência à repetição da fala do outro, sempre acompanhados de  “aparência física normal”. De lá para cá, muita coisa mudou, mas os mitos sobre o autismo e a convivência com ele ainda são visíveis.

Em estudos posteriores, Kanner ressaltou o quanto a inclusão, as técnicas de “controle”, educação e a consideração das habilidades dos indivíduos portadores da síndrome podem contribuir para o seu desenvolvimento mais pleno. Após essas constatações, foram realizados vários estudos sobre o assunto, aumentando a abordagem e o conhecimento.

O autismo não permite um diagnóstico exato, visto que se manifesta de formas e graus diferentes em cada indivíduo. Assim, hoje em dia recebe o nome de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Por não ser uma doença, não existe cura. Mas existe a comprovação de que atividades físicas ajudam na socialização e na autonomia do indivíduo. E o esporte é uma alternativa.

Professores e alunos  da Universidade de Passo Fundo realizaram um projeto com o objetivo de desenvolver as habilidades motoras e trabalhar a autonomia de dez crianças entre 5 a 12 anos que estão dentro do espectro autista. As atividades foram realizadas dentro da água, trabalhando o deslocamento, movimentos de repetição e o nado propriamente dito. Como resultado, foi observado uma evolução na coordenação dos movimentos, melhoria no contato físico e nas as habilidades motoras, além de uma melhor sociabilização.

 

O esporte como aliado

Bruno Mamede, diagnosticado dentro do espectro autista aos 3 anos, tem a sua história atrelada com o esporte. Hoje, aos 17 anos, completou sua 100ª corrida, um percurso que começou há 7 anos.

O primeiro contato de Bruno com o esporte foi aos 6 anos de idade, quando foi convidado para participar de uma aula experimental de natação. Ele gostou tanto que continuou por um ano, até precisar sair por apresentar diversos casos de Otite, um tipo de infecção no ouvido. Sua família tentou apresentar outra alternativa, o Karatê, mas Bruno não se sentia confortável. Aos 10 anos de idade, estava sem praticar esportes até que sua mãe o convidou para acompanhá-la em caminhadas depois das atividades escolares. E o que começou com trinta minutos de caminhada, foi aumentando gradativamente até que, oito meses depois, Bruno começou a acompanhar seu pai, Rafael Mamede, em caminhadas no Parque do Sabiá, duas vezes por semana. Logo, Bruno conseguiu completar a volta de 5km.

Em 2013, Bruno participou da primeira corrida Kids,  mas o receio de participar de uma corrida oficial ainda era presente. Muitos autistas apresentam casos de hipersensibilidade, que podem acarretar em reações fortes ou crise. Bruno  não tem hipersensibilidade ao toque e, sim, à audição: não suporta barulhos altos ou agudos. “Eu fiquei muito preocupada, pensei que ele não iria gostar por ter multidão e som alto.

Em 2014. Bruno participou da Corrida 10 milhas e a surpresa, veio ao perceberem a tranquilidade do filho desde a largada e com a felicidade que era manifestada durante toda a corrida, quando Bruno dizia “a linha da chegada, a linha da chegada”.

Atualmente, Bruno treina com o pai na equipe paralímpica do SESI Gravatás, em Uberlândia. Para a mãe, com a prática da corrida foi perceptível o aumento da tranquilidade, a diminuição da ansiedade e melhora no sono. Além de todos os benefícios que o esporte proporciona a qualquer pessoa.

Foto: Acervo pessoal. Bruno Mamede treina no SESI Gravatás.

Para Bruno, o esporte é um resultado de felicidade, bem estar e maior interação com o outro.

Para saber mais:

A  Lei de Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista  (12.764/2012) e  a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015)  são a base da luta pela causa autista e uma conquista do movimento de autistas, familiares e cuidadores.

Em 2014 O Ministério da Saúde disponibilizou as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) que apresenta informações importantes para o acompanhamento dos autistas e seus familiares.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo. em parceria com mães, pais e representantes de entidades ligadas ao Movimento Pró Autista criaram a Cartilha dos Direitos da Pessoa com Autismo.

 

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